Há quem veja a advocacia como uma profissão secular, um ofício tradicionalista e enraizado. Bem é verdade que se tratando de uma das profissões mais antigas, ela carrega consigo toda uma cultura própria da sua história. Mas também é verdade que ela não parou no tempo. Muito pelo contrário. A advocacia teve sua técnica aprimorada nos estudos das Leis e hoje enfrenta uma revolução que vai além do mundo positivado, convergindo com o mundo digital e conectado que temos hoje.
Introdução da advocacia nas técnicas digitais
Mas para alguns, o simples primor do exercício da profissão não é o bastante para manter o Direito vivo e atual. A advocacia é aprimorada a cada dia, a cada acusação e defesa o exercício do Direito é renovado.
A tecnologia chegou aos escritórios assim como um anão em terra de gigantes. O estranhamento de alguns é tão natural quanto o fascínio de outros. Há aqueles que resistem e criticam sua chegada, dizem “aqui não é lugar para você”, “Somos tão grandes, você é tão pequeno, tão novo” a resistência a algo novo, um método desconhecido, o medo das implicações “será que vamos ser substituídos por esse nanico? ”.
A curiosidade e admiração também estão presentes. Pensamos, “tão diferente, tão novo, o que será que faz? ” ou “será que ele consegue fazer tanto quanto nós? Nos ajudar nas tarefas que exijam pessoinhas”.
Assim é a tecnologia na advocacia. Assim como em muitas atividades. O receio e o medo sobre as consequências, a descrença na capacidade de auxílio e o temor que o ofício secular esteja se desvirtuando, perdendo o rumo. Mas para muitos isso não é problema, tratando a tecnologia como uma verdadeira sócia, empenhada na evolução do trabalho no desenvolvimento do próprio direito.
Claro, a analogia é uma brincadeira, mas exemplifica muito bem os “Gigantes” e já bem conhecidos escritórios e advogados bem acostumados com a advocacia tradicional. Assim como as novidades tecnológicas nessa terra de gigantes, na persona do “pequeno Anão”, um forasteiro, que traz toda uma nova perspectiva nunca vista antes.
Com ela, agora percebe-se não só a capacidade de realizar o que já era feito antes de maneira mais primorosa, mas também fazer o que antes era inimaginável. O auxílio dos “robôs digitais”, amálgamas de algoritmos e sistemas integrados, os sistemas de análise preditiva e analítica. A própria Jurimetria que já era uma realidade, agora é uma ferramenta ainda mais relevante, tendo a sua disposição toda a análise de dados, capaz de analisar em segundos decisões e processos em tribunais por todo o país e reuni-los em probabilidades e exposições claras.
A Jurimetria
A Jurimetria não é nada nova. A primeira menção ao pensamento jurimétrico foi feita ainda pelo matemático Nicolaus I Bernoulli, em 1709, em um trabalho que discutia a probabilidade de sobrevivência de pessoas, precificação de seguros, preços de loterias, questões de herança, confiança em testemunhas e probabilidade de inocência de um acusado*¹. Mas somente em 1949, com o advogado americano Lee Loevinger, no trabalho denominado “Jurimetrics. The Next Step Forward, Minnesota Law Review”, que a jurimetria realmente nasceu. A longo de sua carreira, a Jurimetria seria definida como a aplicação de dados quantitativos no Direito, da precisão que há nas Ciências Exatas unida com a flexibilidade das Ciências Humanas.
Embora Loevinger tenha sido basilar para a compreensão de o que é Jurimetria, a aplicação do método não era assim tão simples. Em um trabalho sobre “indústria dos danos morais” coordenado por Portella Püschel, ainda em 2012, os autores apontam a falta de transparência e aparente desinteresse em tornar os bancos de dados acessíveis. Tentar aplicar a jurimetria “na mão” é quase inviável. Como dizem os pesquisadores:
Para verificar com exatidão o grau em que os vários conjuntos de acórdãos levantados para cada tribunal se sobrepõem, seria necessário fazer listagens com todas as palavras-chave e combinações e cruzá-las, para verificar repetições. No entanto, diante da excessiva quantidade de acórdãos, tal procedimento não era factível.
E é nesse ponto que a tecnologia chega para atender o Direito. Esse, que há pouco juntou forças com a estatística para o nascimento da jurimetria, agora dá mais um passo: O Big Data e Machine Learning.
As Técnicas e ferramentas na Jurimetria.
O surgimento e crescimento do Machine Learning, em especial sobre o Big Data, aos poucos fez seu caminho até o direito. Se antes a necessidade era de o Direito regular o uso dessas ferramentas, agora é o Direito que vê a utilidade de seu uso dentro da Ciência Jurídica.
Com o crescimento do Big Data e do próprio Machine Learning, houve também o crescimento das soluções tecnológicas que aproveitam dessas áreas para atender os escritórios e tribunais. A jurimetria que antes era complicada, quase impraticável em escala, agora está à disposição dos interessados.
Agora, escritórios podem utilizar essas ferramentas em duas frentes: a preditiva e a analítica. Uma complementa a outra. A jurimetria analítica analisa em tempo real a situação jurídica dos processos pelo país, como quantidade de processos, em quais varas, os maiores demandantes e demandados, o tema da causa. Ela auxilia os escritórios a orientarem os clientes em relação as suas causas e origem dos conflitos judicias, para que possam tomar decisões mais assertivas que evitem os conflitos originários das causas demandadas.
A jurimetria preditiva trabalha de forma mais específica: com base em outras decisões (todo o banco de dados disponível), estima quanto tempo vai levar para o seu processo ser julgado, qual a chance de ganhar ou perder, chance de acordo no judiciário. Ela auxilia na elaboração de estratégias para os processos e uma estimava de tempo x custo, dando a oportunidade de entender se de acordo com a chance de sucesso a ação realmente vale a pena.
Em ambos os casos, o Banco de Dados e automação são essenciais, trazendo de forma rápida um resultado que vem da comparação com a média dos outros casos. O Machine Learning aplicado nessa automação busca realizar esse processo de uma forma mais inteligente e que leve em consideração as particularidades de cada caso, aperfeiçoando ainda mais o resultado preditivo.
Juntas, a análise preditiva e analítica aplicada pelos novos softwares são capazes de trazer ganhos de competitividade na advocacia e melhor gestão dos casos liderados. São tecnologias que tem o potencial para que escritórios principiantes possam competir com os já conhecidos e grandes. Mas ainda temos alguns entraves para observar.
Problemas técnicos
Embora possa ser uma técnica revolucionária para o Direito, a Jurimetria, em especial quando baseada no uso de softwares, ainda tem algumas questões a enfrentar. A primeira delas é acessibilidade.
Assim como toda tecnologia insipiente, os custos são um dos maiores entraves de toda nova oferta. Alguns softwares podem ser tão caros que chegue ao ponto de valer mais a pena fazer todo trabalho à mão. Por outro lado, também temos aqueles que já são muito mais adequados ao público amplo, com valores realmente competitivos, mas estes ainda não são a regra.
Outra questão é sobre a sobrecarga dos servidores dos tribunais (principais bases de dados para esses trabalhos). Existe a possibilidade de sobrecarga do sistema com as frequentes consultas que varrem todo o sistema, tornando-o lento e até mesmo instável. Para citar uma consequência desse problema, o TRT da 4° Região (TRT-RS) já limitou em 1,5 mil consultas a processos de terceiros em um período de 30 dias por OAB, justamente para tentar coibir o uso dos Robôs e sistemas automatizados de consulta.
Menos preocupante, mas não irrelevante, é o problema com a indexação dos tribunais. A indexação não é precisa e isso atrapalha a análise dos dados e a filtragem dos temas. Por exemplo, referindo às horas extras ou como “hora Extra” outras horas como “adicional de hora extra”. O problema pode ser contornado tanto pelos tribunais, ao melhorarem o sistema de indexação, quantos pelas ferramentas, que podem se ajustar e considerar as diversas indexações.
Problemas Éticos.
Uma outra análise sobre o uso da Jurimetria e da tecnologia é pela perspectiva ética. Seria ético analisar o perfil de um magistrado através do seu histórico de decisões para, por exemplo, poder elaborar uma defesa específica que agrade o juiz? Até que ponto a predição e perfilhamento dos magistrados é ética?
A França já está se posicionando a respeito. Em 2019 aprovou uma lei que proíbe a publicação de informações estatísticas sobre as decisões dos juízes. A lei francesa não impede que as decisões judicias sejam analisadas, mas proíbe a publicidade da análise, até mesmo das realizadas sem o auxílio computacional e de softwares.
No Brasil ainda não há qualquer tipo de restrição nesse sentido. As ferramentas ainda enfrentam entraves técnicos, mas não os legais. Mas sabendo que tudo que acontece no mundo cedo ou tarde chega ao Brasil, em breve estaremos discutindo os limites da influência tecnológica no funcionamento da justiça brasileira e até que ponto o comportamento de promotores, advogados e juízes é livre e espontâneo ou é traçado e homogeneizado em virtude das tecnologias aplicadas.
Referências Bibliograficas:
Esse Artigo foi publicado originalmente através da Comissão de Acadêmicos da OAB/Jabaquara, e você pode conferir aqui: https://oabjabaquara.org.br/artigos/602dbc22a4d544000aaa1a6c
ZABALA, Filipe Jaeger. Jurimetria: estatística aplicada ao direito. Revista Direito e Liberdade, Natal, v. 16, n. 1, p. 73-86, jan./abr. 2014. Quadrimestral.
PÜSCHEL, Flavia Portella et al. DANO MORAL. Projeto Pensando o Direito, [S. l.], p. 36, 2010. Disponível em: https://www.justica.gov.br/seus-direitos/elaboracao-legislativa/pensando-o-direito/publicacoes/anexos/vol-37_dano_moral_fgv.pdf. Acesso em: 1 fev. 2021.
TRT 4° REGIÃO. TRT-RS bloqueará usuários do PJe que realizarem consultas excessivas a processos de terceiros. Notícias TRT, [S. l.], p. 1, 10 jul. 2020. Disponível em: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/320926. Acesso em: 1 fev. 2021.
SOFIA MARSHALLOWITZ. O que pretende a França em proibir a jurimetria? Jota, [S. l.], p. 1, 18 jun. 2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-que-pretende-a-franca-em-proibir-a-jurimetria-18062019. Acesso em: 1 fev. 2021