Qual a diferença entre os regimes de bens? Para muitas pessoas o casamento é um momento de realização pessoal, uma arte de aprendizagem e amor. É algo que está presente na cultura humana desde muito cedo, sendo a semente de formação da célula base da sociedade que é a família. Porém, tão quanto pode ser bonito, também pode ser complexo.
Complexo pelos desafios de uma vida conjugal, mas também complicado de se entender das formalidades. O casamento não é algo único, que só pode ser feito de uma única forma. Na verdade, cada sociedade conjugal pode ser estabelecida de uma forma distinta, desde que respeite os preceitos da ordem pública.
E é sobre as formas de regimes de bens que explicamos aqui.
O Regime de Bens
O doutrinador Flávio Tartuce conceitua o regime de bens como aquele conjunto de regras de ordem privada relacionadas com interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da entidade familiar. Significa dizer que o regime de bens regula as questões patrimoniais (renda, imóveis, veículos, dívidas, por exemplo) de um casamento.
As previsões para esses regimes estão nos artigos 1.639 até 1.688 do Código Civil.
Princípios
Assim como tudo nesta vida, os regimes de bens são regidos por princípios que norteiam sua aplicação e interpretação. São eles:
- Princípio da autonomia privada: extraído do art. 1.639 do CC, é aquele que nos demonstra a liberdade de escolha e de livre regramento dos atos do casamento. Conforme letra de lei “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”
- Princípio da variedade do regime de bens: sendo a vida tão diversa quanto é, não deixaria o casamento de ser também. Assim, nosso ordenamento prevê quatro modalidades de regimes de bens, que podem ser modificados. No silêncio dos nubentes quanto a modalidade escolhida, é estabelecida a modalidade legal (ou supletória) da comunhão parcial.
- Princípio da mutabilidade justificada: o regime de bens não precisa ser imutável, a realidade fática no momento da celebração do casamento pode não ser mais a mesma anos depois, tornando o regime de bens acordado inadequado. Por isso, o §2° do mesmo art. 1.639 prevê que seja possível a alteração do regime, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
- Princípio da indivisibilidade de regime de bens: o regime pode ter regras próprias, mas elas valem igualmente para ambos os nubentes, não podendo uma cláusula valer para um mas não para o outro. Isso é algo que podemos perceber a partir do próprio principio constitucional da isonomia entre marido e mulher, presente no Art. 266, §5° da CF.
Regime da Comunhão parcial de bens
Presente nos arts. 1.658 a 1.666 do CC, é o chamado regime legal ou supletório, pois é o regime padrão a ser adotado, caso não seja manifestada a vontade por outro regime.
Neste regime, são pertencentes a ambos os bens havidos durante o casamento, excetuando-se os bens previstos no art. 1.659:
Art. 1659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
E são comunicáveis (pertencem a ambos) os descritos no art. 1.660:
Art. 1660. Entram na comunhão:
I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges
II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Regime da Comunhão Universal
Previsto nos artigos 1.667 a 1.671 do CC, a comunhão universal é um pouco mais simples do que a comunhão parcial e a sua opção deve ser feita pelo pacto antenupcial. Nesta, a regra é a comunicação de todos os bens do casal, havidos antes e depois da celebração do casamento, inclusive dívidas.
A exemplo, mesmo que um imóvel seja adquirido no nome de apenas um consorte, antes ou durante o casamento, ele também fará parte dos chamados Bens Comuns do casamento.
Embora esta seja a regra, há exceções, previstas no art. 1.668:
Art. 1.668. São excluídos da comunhão:
I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;
IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
Participação final nos aquestos
Também deve ser registrado por pacto antenupcial, e está previsto no art. 1.672. Talvez esse seja o regime mais complexo para se adotar, pois ele necessariamente envolve diversos cálculos e análises do patrimônio no caso de dissolução da sociedade conjugal. Brinca-se que o casal que opta por esse regime casa também com um contador.
Neste regime, os nubentes matem durante o casamento um sistema de separação de bens, mas caso haja a dissolução desse casamento, pelo divórcio, separação judicial ou morte, reconstitui-se contabilmente uma comunhão de aquestos, em uma situação que se assemelha a comunhão parcial de bens.
Assim, em caso de dissolução, o cônjuge terá direito a uma participação daqueles bens para os quais colaborou para a aquisição, conforme preconiza Flávio Tartuce.
Regime de separação de bens
Outro regime simples, em comparação ao dos aquestos, é o da separação de bens. Pode ser convencional previsto nos arts. 1.687 e 1.688, através do pacto antenupcial, ou obrigatório, conforme o art. 1.641 do CC.
Quando for convencional, antes e durante e depois do casamento há separação dos bens do casal. O que é de um não é de outro, podendo um cônjuge vender e dispor dos bens como bem entender.
Isso não significa que não estejam obrigados a contribuir para as despesas do lar, mas cada um deve fazê-lo na medida dos seus ganhos dos seus rendimentos.
Já a separação obrigatória de bens, acontece por força do 1.641:
Art. 1.641 – É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Outras formas não estabelecidas em lei.
O casamento é plúrimo, seria extremamente difícil regrá-lo em regimes imutáveis. Por isso, é justamente com base no Princípio da Autonomia Privada que é possível que o casal estabeleça um regime misto, em que mistura regras de mais de um regime de bens. Isso pode ser feito através do Pacto Antenupcial, que funciona como um contrato que irá regular o regime de bens do casal como um todo.
Nesta modalidade, por assim dizer, livre, é possível por exemplo convencionar comunhão parcial de bens em relação aos imóveis e uma separação de bens móveis, conforme exemplifica Tartuce.
O Pacto Antenupcial, mencionado ao longo do texto, exige que seja feita através de escritura pública para que sua validade, caso contrário, poderá ser considerado nulo e no casamento passará a vigorar o regime legal de comunhão parcial de bens.
Referências e bibliografia:
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. 9. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
ENTENDA como funciona o registro híbridos ou misto no pacto antenupcial. [S. l.], 11 mar. 2020. Disponível em: https://2cartoriodejuazeiro.com.br/2020/03/11/entenda-como-funciona-o-registro-hibridos-ou-misto-no-pacto-antenupcial/. Acesso em: 20 abr. 2021.
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