A compreensão das condutas criminosas nem sempre é tão fácil. Fazer o julgamento delas, por vezes, menos ainda. Mas o Direito Penal e o Processo Penal não nasceram ontem, mas sim se desenvolveram junto da sociedade, e com ela o aprofundamento do estudo criminal, estabelecendo princípios e doutrinas que nos ajudam a aplicar o Direito.
Um desses princípios é o da Princípio da Consunção, aplicado aos casos de maior complexidade da conduta criminosa, que acaba envolvendo dois ou mais crimes em uma única situação.
O Princípio da Consunção
Imagine a seguinte situação:
João, ao chegar em seu trabalho, encontra o carro de Carlos, com quem trabalha, estacionado em sua vaga. Irritado com a atitude repetitiva de Carlos, resolve que no dia seguinte irá ao trabalho armado e, caso o colega insista em estacionar em sua vaga, irá “acertar as contas”. No dia seguinte, portando arma ilegalmente, João encontra o carro de Carlos estacionado em sua vaga novamente. Irritado, vai ao encontro de Carlos e desfere dois disparos, matando-o.
Nessa situação é evidente que o crime praticado é o homicídio, previsto no artigo 121 do código penal e que João deverá ser condenado por ele. Mas e o porte de arma?
Nessa caso, João não tinha o porte e não poderia transportar a arma como o fez, cometendo também o crime do art. 14 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Isso significa que ele será condenado por ambos os crimes? A resposta é não, pois aí entra o princípio da consunção.
No caso concreto, João apenas portava arma com a intenção de utilizá-la na situação que se aproximava, o desígnio de transportar a arma é parte do desígnio de cometer o assassinato, formando um conflito aparente de normas, em que um único fato tem duas normas penais para incriminá-lo.
Em casos como esse, aplica-se o Princípio da Consunção, em que o crime fim absorve o crime meio para sua consumação. O crime fim, no caso em exemplo, é o homicídio, o crime meio é a preparação para assassinato, que consiste em transportar a arma até o local do crime.
Mas por que não os dois crimes?
O Direito Penal moderno reconhece que a punição do indivíduo duas vezes pelo mesmo fato não é justiça. Assim, a condenação por ato (ilegal) praticada para o cometimento de outro ato, mais gravoso e amplo, seria condenar duas vezes pelo mesmo crime. Chamamos esse princípio de non bis in idem.
- O mesmo não acontece quando os desígnios ou as vontades são diferentes. A situação muda se, por exemplo, João portar diariamente arma consigo de maneira ilegal e eventualmente se aproveitasse do fácil acesso a ela para consumar o crime de homicídio. Aqui as vontades são diferentes. João, por desejo com fim em si mesmo, portava arma em seu carro. O porte não estava embutido na vontade de usá-la de forma planejada contra alguém, e o uso dela para o homicídio foi mera conveniência.
Aí sim, nessa situação, é possível que João seja condenado tanto pelo porte quanto pelo homicídio, pois são atos independentes com fins diferentes.
Referências e Bibliografia
Estelionato e uso de documento falso – princípio da consunção