A Constitucional liberdade religiosa e o agravo da intolerância

Há quem diga que o primeiro bem fundamental do ser humano é o bem da vida. A liberdade assume o segundo lugar deste pódio. Voltaire dizia “É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”. Mas quando entramos no campo das liberdades, são efêmeras as dialéticas sobre a “liberdade religiosa” ou de seus principais transgressores.

Da constitucional liberdade religiosa

Elencados em nossa Constituição Federal no Art. 5º VI, VIII, revelam-se positivados que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; e continua; “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”.[1]

A liberdade religiosa pode à primeira vista parecer a menor dentre as muitas personalidades dos princípios fundamentais. Mas historicamente ela demonstrou-se ser a mais invocada e por conseguinte, a mais violada ao longo dos anos.

A maioria dos genocídios cometidos pela humanidade foram decorrentes da intolerância religiosa. Ironicamente lemos sobre o primeiro deles na Bíblia, quando Caim ceifou a vida de seu irmão Abel. E tendo e vista que eles junto com seus pais, compunham a população mundial, não deixou de ser um eloquente genocídio. Então o que fazer quando os maiores defensores da liberdade religiosa se tornam seus principais algozes?

Incorrentes discursos predicados e exaltados de religiosidade, ostentam em sua essência a maior embriaguez hipócrita do ódio e intolerância dos mais bem trajados sacerdotes. Cujo o objetivo de aumentar fiéis é por meio da supressão dos “infidelizáveis” [2]. Mas devido a conduta libidinosa e prostituição da liberdade religiosa, o principal objetivo dos clérigos de “espalhar as boas-novas” (Lucas 2:10) transformou-se nas mais impetuosas contendas. E seus frutos nos dias de hoje são cada vez maiores em números de considerados descrentes ou ateístas, por não saberem conduzir o convívio em uma sociedade plural dinâmica e expansiva. Teria a fé perdido seu caminho?

Do agravo da Intolerância

No dia 12 outubro de 1995, na data em que católicos festejavam o dia de Nossa Senhora Aparecida [3] ao apresentar o programa “Palavra Viva”, o então bispo Sérgio Von Helder, da Igreja Universal, chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Essa atitude provocou uma revolta generalizada. Até quem não era católico, e não acredita em santos, como o caso dos evangélicos, se indignaram com o episódio desrespeitoso. Dois anos depois, em decisão inédita, o bispo foi condenado por discriminação religiosa. Esse foi apenas um exemplo em rede nacional, escancarado na cara do povo brasileiro que a intolerância religiosa germinava no seio dos próprios religiosos.

A discriminação motivada pela religião é considerada crime no Brasil. A Lei 9.459/2007 [4] pune com multa e até prisão de um a três anos quem zombar ou ofender outra pessoa por causa do credo que ela professa ou impedir e atrapalhar cerimônias religiosas. Nesses casos, não cabe sequer o pagamento de fiança para que o acusado responda ao processo em liberdade. Além disso, esse tipo de crime não prescreve. Deste modo, os acusados podem ser responsabilizados independentemente da data da denúncia.

Da união dos pontos e comum

É louvável que diante de um cenário religioso de guerras filosóficas, há dentre as muitas seitas, aqueles que lutam pelo verdadeiro significado da paz; parafraseando um grande líder religioso e profeta de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em um discurso proferido em 09 de julho de 1843 em Nauvoo, Illinois. Joseph Smith declarou [5]:

Estou igualmente pronto para morrer em defesa dos direitos de um presbiteriano, um batista ou um bom homem de qualquer outra denominação; porque o mesmo princípio que destruiria os direitos dos santos dos últimos dias também destruiria os direitos dos católicos romanos ou qualquer outra denominação que venha a ser impopular ou demasiadamente fraca para se defender”.

Vale-se destacar que mais importante que exaltar as dicotomias religiosas, é condecorar os pontos em comuns. Diga-se de passagem, que são muitas. Sendo assim, os esforços genuínos de muitos sacerdotes de matriz africana, católicos, muçulmanos, judeus e evangélicos em reunir-se em simpósios de liberdade religiosa para conscientizar a sociedade e seus próprios “fiéis” sobre o respeito ao direito constitucional da liberdade religiosa, são de fato o exercício legal do direito.

 

BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm; 27/01/2022, Rio de Janeiro, Brasil.

[2] Cf., PIERUCCI, Antônio Flávio. “Bye, bye, Brasil” – O declínio das religiões tradicionais no Censo 2000. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, setembro-dezembro 2004, p. 17-28, São Paulo.

[3] https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2020/10/12/ha-25-anos-bispo-chutava-imagem-de-nossa-senhora-na-tv.htm; 27/01/2022, Rio de Janeiro, Brasil.

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9459.htm; 27/01/2022, Rio de Janeiro, Brasil.

[5] History of the Church,pp. 498-499, discurso proferido por Joseph Smith em 9 de julho de 1843, em Nauvoo, Illinois; relatado por Willard Richards.

Leia também: Poder, Plebiscito e Referendo

 

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Willian Beltrão

Acadêmico do 4°ano de Direito pela Universidade de Ensino Estácio de Sá (UNESA), membro da Comissão de Acadêmicos de Direito da 116° Subseção Jabaquara-Saúde da OAB/SP e Diretor de Estudantes da J. Reuben Clark Law Society, Capítulo Rio de Janeiro. Integrante membro da Septem Capulus e Colunista do Jus Talks.

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