O direito à morte digna

O direito à morte digna: se há uma certeza na vida é a de que a finitude existe e alcança a todos, ainda que o homem possa filosofar sobre ela e prolongar sua existência mediante a tecnologia. A própria questão da passagem do tempo – e a decorrente consciência de sua vulnerabilidade – coloca a humanidade diante de muitos dilemas de ordem social, moral e religiosa.

A questão se torna ainda mais polêmica quando se trata do desejo do indivíduo de colocar fim à própria existência, seja devido a uma circunstância de sofrimento físico (tetraplegia, doença terminal e coma irreversível) ou mental (depressão profunda que não responde ao tratamento). Devido à amplitude que o tema desperta nas diversas áreas do conhecimento, torna-se necessário fazer um recorte, restringindo e adequando o tema aos objetivos desta pesquisa. Assim, este estudo visa, sobretudo, a discussão da questão da Eutanásia ou do Suicídio Assistido à luz do ordenamento jurídico, bem como as questões relacionadas ao respeito à dignidade humana e à autodeterminação das pessoas nas questões referentes à sua qualidade de vida ou de morte.

O tema da morte sempre foi cercado pelo desconforto, ainda que seja tratado de forma poética, filosófica ou religiosa. A bem da verdade, a humanidade sempre lidou com a própria morte como um encontro inevitável que chegaria um dia, embora este encontro fosse sempre postergado, como se no fundo o homem acreditasse que a morte chegaria

para o outro, mas ele mesmo sempre teria um tempo a mais. Ou, que quando este encontro acontecesse, fosse uma passagem tranquila para outra existência ou um “desligamento” total, tal como um aparelho que é desconectado da tomada, colocando simplesmente um fim à consciência. Porém, em nenhum momento passaria realmente pela consciência do indivíduo ficar preso à uma circunstância de dependência total do outro, numa situação de impotência e de limitação tal que o impeça de viver plenamente ou de colocar fim ao sofrimento decorrente desta situação.

Nestes casos, onde a pessoa se torna cativa de sua própria incapacidade física, ela necessita do outro, seja ele o médico, um familiar ou mesmo o Estado, que possa garantir-lhe o direito de decidir sobre a própria morte ou, melhor dizendo, o direito de ser respeitado em sua autonomia e na sua escolha de não mais querer perpetuar esta condição de dependência do outro.

A questão da Eutanásia e do Suicídio Assistido são temas recorrentes nas discussões éticas, conforme no aponta BARREIRA (2017), SANTORO (2011), DINIZ (2006) e também diversas teses sobre o tema, tais como a de FREITAS & ZILIO (2015) e de DIURZA & PONTAROLLI (2017), entre outras. A questão do respeito ao desejo expresso pelos portadores de tetraplegia de não mais querer continuar vivendo nestas circunstâncias, conforme SAMPEDRO (2005) deixou registrado em seu livro Cartas do Inferno, bem como a experiência dos profissionais que têm que conviver com a agonia de pacientes portadores de doenças em estágio terminal, padecendo de sofrimentos tão intensos que imploram pelo alívio, abrem espaço para a discussão ética da situação destas pessoas, assim como as questões legais implicada. A questão da Eutanásia também abrange um grande número de pacientes em coma irreversível, sendo mantidos vivos mediante os aparelhos de prolongamento da vida.

Para que se possa falar em Eutanásia ou Suicídio Assistido é fundamental que se conheça as leis referentes ao tema no Brasil, tais como as resoluções do Conselho Federal de Medicina: nº 1805/ 2006 de 28 de novembro de 2006, que dispõe sobre a prática da ortotanásia e nº 1995/2012 de 31 de agosto de 2012, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, como também os argumentos dos diversos grupos favoráveis ou contrários à prática. Também é necessário diferenciar conceitos tais como Eutanásia, Distanásia, Ortotanásia, Mistanásia e Suicídio Assistido, conforme nos aponta LOPES, LIMA & SANTORO (2018) e DINIZ (2006).

Relevância do tema e objetivos do estudo

A importância deste estudo se justifica pela relevância social em debater temas que impliquem na defesa dos direitos humanos, neles incluídos o direito à vida e à morte com dignidade. Não se trata de defender um ponto de vista, mas o direito dos cidadãos à fazer valer sua autonomia no tocante às questões fundamentais que lhe dizem respeito e seu direito de fazer suas próprias escolhas, assumindo a responsabilidade decorrente.

Afinal, o direito à autonomia e ao livre arbítrio das próprias escolhas se encerram juntamente com a falta de capacidade motora do seu organismo? Limitar sua autonomia não seria equivalente a reduzir a essência humana ao corpo físico? No caso de um paciente em coma profundo e irreversível – que nunca deixou expressa sua vontade em tais circunstâncias -, a quem cabe decidir sobre a sua vida ou a sua morte? Até que ponto as interferências de ordem moral ou religiosa devem ser consideradas no debate científico de tais temas? Mais ainda: utilizando dos questionamentos levantados por SANTORO (2010) enfatizar que esses questionamentos ainda reverberam na área jurídica, demonstrando o quanto o debate destas questões polêmicas continua necessário e longe de se tornar confortável aos legisladores:

É legítimo ao homem prolongar ao máximo a vida de uma pessoa, sem qualquer qualidade, apenas para manter a quantidade de vida, mesmo com afronta à dignidade da pessoa humana? Ou é permitido ao legislador tipificar conduta contrária a esta mesma dignidade, impondo ao médico a obrigação de atuar sempre para salvar a vida de um paciente, mesmo quando esta se encontra irremediavelmente comprometida e sendo a morte iminente e inevitável?

(SANTORO, Morte Digna: O Direito do Paciente Terminal, 2010)

Metodologia

Trata-se de uma revisão sistemática de literatura com a finalidade de fornecer embasamento exploratório-explicativo e qualitativo às questões pertinentes ao tema, delineando um arcabouço de argumentos lógicos decorrentes de diversas áreas do

conhecimento, com ênfase na área do Direito e da Medicina. Para isso, foram utilizados livros, teses, artigos e demais publicações físicas e virtuais.

As bases de dados virtuais utilizadas foram: SciELO – biblioteca eletrônica que abrange periódicos científicos diversos; a BVS Brasil – biblioteca virtual de teses, artigos e periódicos na área de saúde; o Google Acadêmico e sites diversos. Para a realização da pesquisa, foram utilizados os descritores “Eutanásia”, “Ortotanásia” e “Suicídio Assistido” e os critérios de exclusão adotados foram os artigos e teses que apenas mencionavam o tema da eutanásia, desenvolvidos em outras áreas, sem aprofundar o tema.

As principais obras utilizadas como referências foram: Morte Digna: O Direito do Paciente Terminal, de SANTORO (2010) e Cartas do Inferno, de SAMPEDRO (2005). A primeira foi utilizada como marco central da pesquisa e fonte dos questionamentos e dos conceitos utilizados. A segunda, para exemplificar a luta travada por um paciente tetraplégico durante 30 anos para colocar fim aos seus sofrimentos e libertar-se de uma condição que ele descrevia como um inferno.

 

Referência e bibliografia

BARREIRA, Marcelo M. Suicídio como Autodeterminação da Cidadania perante o Estado. Rev. Bioética, 2017; 25 (2): 301-10

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Exposição de motivos da resolução CFM nº 1805/2006 de 28 de novembro de 2006. Dispõe sobre a prática da ortotanásia. Brasília, 2006. Disponível em:<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2007/111_2007.htm>.

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1805/ 2006 de 28 de novembro de 2006. Dispõe sobre a prática da ortotanásia. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm >.

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1995/2012 de

31 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Brasília, 2012. Disponível em:<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf >.

CABRAL, Hildeliza L. T. B.; SOUZA, Carlos H. M. de; CARVALHO, Vívian B.; BOECHAT, Ieda T. Distanásia e Lesão à Dignidade à Beira do Leito. Coninter 4 – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades. Foz do Iguaçu, PR. UNIOESTE, 8 a 11 de dez. 2015

DIURZA, Kauana M. & PONTAROLLI, André L. A Eutanásia e o Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana no Brasil. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano X, n. 17, jul/dez-2017.

DINEL, Laura R. & GOMES, Daniela. O Direito à Morte Digna. Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 32, n. 1: 245-272, jan./jun. 2016

DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 3ª edição São Paulo: Ed. Saraiva, 2006.

FLORES, Maicon V. Sobre Morrer: Uma Breve Análise do Tratamento da Morte no Direito Brasileiro. Congrega Urcamp, Revista da 15ª Jornada de Pós-graduação e Pesquisa, vol. 15, ano 2018.

FREITAS, Riva S. & ZILIO, Daniela. O Direito à Morte Digna sob a Perspectiva do Direito à Autonomia do Paciente Terminal. Revista de Biodireito e Direito dos Animais, vol. 2, nº 1, 2016. Disponível em:<https://www.researchgate.net/publication/322594634_O_Direito_a_Morte_Digna_sob_a_Perspectiva_do_Direito_a_Autonomia_do_Paciente_Terminal>.

KALLAS, Matheus R. & PUSTRELO, Rafael de B. Eutanásia: Direito à Morte Digna. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v.11, n.1, jul. 2016.

LOPES, Antônio C.; LIMA, Carolina A. de S.; SANTORO, Luciano de F. Eutanásia, Ortotanásia e Distanásia – Aspectos médicos e jurídicos. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018.

MORAIS, Inês M.; NUNES, Rui; CAVALCANTI, Thiago; SOARES, Ana K. S.;

GOUVEIA, Valdiney V. Percepção da “morte digna” por estudantes e médicos Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/bioet/v24n1/1983-8034-bioet-24-1-0108.pdf>

MIGLIOLI, Marcio A. Direito de Morrer. Justitia, São Paulo, 70-71-72 (204/205/206), jan./dez. 2013-2014-2015.

SAMPEDRO, Ramón. Cartas do Inferno. Planeta, 2005.

SANTORO, Luciano de Freitas (2010). Morte Digna: O Direito do Paciente Terminal. Curitiba: Editora Juruá, 2011.

SANSON, Leandro C. Direito pela Morte Digna: Uma Análise do Procedimento da Ortotanásia no Direito Brasileiro. XI Mostra Internacional de Trabalhos Científicos. Disponível em:<https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/18757/1192612 030>.

 

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Sarah Macena

Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal - EPD. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM.
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