A Matrix é uma simulação que cria um mundo imaginário onde as pessoas são prisioneiras da realidade, uma clara referência à alegoria da caverna de Platão. A história, parte da sua República, é uma importante lição acerca de liberdade e conhecimento. Fazendo essa “facilitação” da compreensão do que se trata, o direito possui a sua Matrix também, reproduzindo ao longo dos anos, bacharéis e consequentemente futuros advogados, juízes, promotores, professores, que seguem essa operacionalidade, imutabilidade, pensamento pragmático e ineficiente, seguindo um só rito, como uma conditio sine qua non.
Fica claro a intenção desta reprodução do mesmo pensamento dogmático, utilizado nas faculdades de direito, tendo como prioridade a construção de alunos via modelo “oabetizado”, “concurseiro”, sempre buscando as respostas e macetes, menos a solução e sua problematização. Cumprida sua “missão” na faculdade (obtendo seu diploma), o aluno(a) é inserido ao mundo competitivo no mercado de trabalho, sujeitos a serem mais um, numa roda gigantesca de profissionais standard (padrão) favorecendo ao engessamento do conhecimento, novos métodos, aperfeiçoamento, e contato com outras ciências.
Infelizmente, alguns professores não cooperam com a quebra deste dogma, ao contrario sensu, exortam ainda mais alunos, com essa ideia de conhecimento para passar na OAB/concursos, dando essa ideia de que o direito serve apenas como ponte para interpretar e decorar leis, tornando-se um futuro burocrata, usar sua decoreba normativa para seu próprio conhecimento limitado do que significa o direito.
Seguindo esse mesmo entendimento, o jurista Alexandre Morais da Rosa [1] entende que:
Muitos alunos não tem compromisso acadêmico: não só jamais foram estimulados para a pesquisa como muitas vezes querem saber apenas o que “cai na prova da OAB” ou em concursos. E o professor encontra-se num dilema. Se procura dotar os acadêmicos de meios mínimos para poderem pensar, não raro, é acusado de querer dar aula como se estivesse no mestrado/doutorado. Imagine só. Graduação é lugar de feijão com arroz: os alunos somente podem se alimentar de ração programática. Qualquer estratégia perturbadora dessa (mal)dita normalidade deve ser prontamente denunciada, inclusive pelos próprios colegas. Por outro lado, caso a aula seja uma decoreba da legislação, deixa de ser professor universitário para se tornar professor de cursinho preparatório: prospera o engenho de reprodução ideológica do programa legislativo, reconfigurado como culto ao legalismo.
Essa operacionalidade e baixo nível intelectual também atinge os livros, conteúdo para consumo de forma prêt-à-porter, todo ano sendo lançado alguma edição (Ghost writer) com o adjetivo “simplificado” embaixo, deixando as questões difíceis e referências esquecidas, pois existem os juristas conteudistas que trouxeram “uma idéia do zero” apenas para vender livros, obter lucros, capitalismo tóxico (falarei em breve sobre o tema) chegou no direito idem, recomendo ler este artigo do ilustre professor Lenio Streck, (link abaixo).
https://www.conjur.com.br/2012-set-20/senso-incomum-triste-fim-ciencia-juridica-terrae-brasilis
Esta é só a ponta do Iceberg jurídico/educacional que estamos (sobre)vivendo; a matrix do direito é muito densa, e precisa ser explicada de forma que entendamos o retrocesso em que estamos caminhando, em breve teremos a parte II.
Valet Scientia Tenebris.
O conhecimento é escuro.
POST SCRIPTUM
Como dizia Heidegger [2] “Quanto mais cedo nos dermos conta disso, mais rapidamente iremos construir um conhecimento e uma prática capacitada para minimizar violências e injustiças.” Afinal, não é pra isso que deveria servir o direito? Saia da Matrix e seja bem-vindo ao deserto do real![3]
BIBLIOGRAFIAS
[2] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2005. p.276.
[3] ZIZEK, Slajov. Bem-vindo ao deserto do real! São Paulo: Boitempo, 2003.