O personagem criado pelo grande Monteiro Lobato, chamado “Jeca Tatu” é a figura central de sua obra Urupês, que contém 14 histórias retratando o trabalhador rural paulista não idealizado. Jeca Tatu simboliza a situação do caipira abandonado pelos poderes públicos brasileiros, entregue às doenças, ao atraso econômico, educacional e à indigência política.
Trazido ao cinema, Amácio Mazzaropi (Pedro Malasartes) interpreta o papel de Jeca no filme, “A tristeza do Jeca” de 1961, dirigido pelo próprio Mazzaropi. A situação mostrada no filme é a disputa entre dois coronéis que querem o apoio político de Jeca para a eleição a prefeito: O coronel Felinto, em cujas terras moram jeca junto com sua família e outros colonos, e seu opositor, o idoso Coronel Policarpo, que é apoiado pelo Coronel Bonifácio, responsável pela campanha eleitoral de Policarpo. Ambos os candidatos querem o apoio de Jeca, que é tido como um dos líderes dos trabalhadores. Jeca não quer se envolver na disputa, mas quando Sérgio, filho de Bonifácio, pede em casamento sua filha Maria, ele acaba se deixando influenciar e todos pensam que Jeca apoia Policarpo.
Uma das cenas mais emblemáticas do filme é a em que Jeca aparece com um cartaz em que de um lado está o nome de Felinto e do outro o de Policarpo. Jeca vai virando o cartaz conforme a situação.
O Coronel Felinto, se revolta com o apoio de Jeca ao seu adversário e ameaça a todos de expulsão da fazenda caso o coronel Policarpo vença as eleições. O coronel Felinto rapta o filho de Jeca, Toninho, tentando forçar Jeca e seus amigos a votarem nele. Felinto perde as eleições. Expulsa todos os trabalhadores de suas terras. Jeca e os colonos recorrem ao coronel Bonifácio esperando acolhida, afinal apoiaram o candidato que ele queria, e são também rechaçados.
Utilizando o jargão “A vida imita a arte e vice-versa” temos uma adaptação da atual sociedade, e consequentemente seus impactos nas ciências, estando entra elas o Direito.
O homem é um zoon politikon (animal político) por natureza como já dizia Aristóteles (384 a.C – 322 a.C). Mesmo que o cidadão escolha ficar longe das discussões políticas, ele será afetado por aqueles que se interessam por política (nada de novo). O envolver-se na política, stricto sensu, desencadeia lados, visões e crenças em partido x ou y. Estes “lados” afetam diretamente as tomadas de decisão no âmbito social e democrático. A maioria que não se interessa por política, delega sua voz para uma minoria com poder e influência, tirando da democracia sua legitimidade. No caso do Direito, a politização partidária é o que impera.
Conforme o passar dos anos, cada vez mais decisões fragmentadas da Corte de Vértice se tornam relevantes no âmbito social, sendo fortalecidas por diversas fenomenologias como: a falta de interesse em grande escala; distorção de valores; aumento exponencial da incapacidade cognitiva da população para resolver seus problemas; idiotas úteis; redes sociais em discussão sobre temas como “Fulano(a) tem que sair do programa X” deixando questões de extrema importância no colo do contencioso; metas do CNJ para proliferação de julgados in modus fast-food operandi; audiências online de 5 minutos… uma bagunça em geral.
Quem realmente pensa o Direito, elucubra formas de trazer algo novo, alcançar um sistema eficaz de compatibilizar a realidade social com o sistema jurídico atual e se sente um “Jeca”, que vivem jogando a torto e a direito, um simples “operador do direito”, adjetivo com um certo distanciamento do que deve ser repaginado e mudado tanto no senso comum (homem médio) como no dos “operadores do direito antigo” arautos do saber divino.
Precisamos que novos acadêmicos e alunos do direito tragam um forma nova de sistematização, utilizando ferramentas que proporcionem a efetividade do nosso sistema e a conscientização dos cidadãos para que pensem em resolver seus problemas e não apenas utilizarem o seu jeitinho “terrae brasilis” de sempre delegarem sua (in)capacidade a terceiros. Caso continuemos nesse posicionamento de que a quantidade derogat (repele) a qualidade, teremos muitos Jecas Tatus na sociedade. Para a alegria ou tristeza dos que delegam seus problemas a terceiros, é preciso saber que devem tomar seu lado, se posicionar porque, a partir do momento em que um cidadão nasce, obtém direitos e deveres na sociedade, embora o que mais vejamos sejam muitos direitos e poucos deveres.
Caso continuemos nesse pragmatismo do pensamento, atenuando a manifestação e a luta por normas mais justas, delegando tudo ao poder judiciário, deixando questões sensíveis em mãos de 11 togas que interpretam a Constituição de acordo com suas conveniências e preferências partidárias, cada uma delas com a sua, ou seja, 11 diferentes posições, a tristeza do Jeca, mutatis mutandis pode se transformar em “depressão do Jeca”.
“Salus Populi suprema lex est”.
“Seja o bem-estar do povo a lei suprema”.
Post Scriptum
O lapsus encoberto, não manifesto, disfarçado é a audiência de conciliação e mediação. Para obter essa audiência é necessário demandar na petição inicial o interesse em que se realize tal audiência e, então, seja nela discutido um possível acordo entre as partes. A sociedade é preguiçosa e acostumada com o “paternalismo judicial”. Ainda que a norma constituída no código de processo civil apresente como externalidade negativa o aumento de demandas judicias e consequente extensão dos prazos para uma solução, as ações que abrem mão de audiências de conciliação e mediação crescem, apesar de ser mais vantajoso uma autocomposição antes de promover uma ação de conhecimento ao poder judiciário. E repare que esta é a visão de um “operador do direito”, hein.