É difícil encontrar alguém que nunca se pegou dando uma olhadinha no perfil do(a) crush, vasculhando nas redes sociais os interesses da pessoa, os lugares que viajou, o amigos que tem. Na maioria das vezes, fazemos isso por curiosidade passageira e inofensiva quando acabamos de conhecer alguém. Mas nem sempre é assim e às vezes essa “olhadinha” passa dos limites, saí do virtual e acaba agredindo a intimidade da pessoa alvo e até mesmo constrangendo e ameaçando a segurança física do vigiado.
O termo para quem faz isso você talvez já conheça: stalker, termo de origem na língua inglesa, que ao significa “perseguidor” ou “ato de perseguir”.
A verdade é que quem faz essa “stalkeada” digital, as vezes só quer isso mesmo, dar uma pesquisada sobre a pessoa nas redes sociais, descobrir mais sobre ela, e só isso mesmo. Mas a prática nem sempre foi vista como tão pacífica, o termo já é utilizado pelo menos desde a década de 80, fazendo referências às perseguições de fãs sobre seus os famosos. Foi só recentemente que o termo passou a ser utilizado de forma mais branda nos ambientes virtuais.
Uma defasagem
Mesmo que a prática seja conhecida do público, até esse ano ela não era crime no Brasil. Na pior das hipóteses, estava enquadrado como contravenção penal, no Art. 65 da Lei de Contravenções, que tutelava a tranquilidade e o sossego alheio.
(Uma dica: aqui no blog tem um post que explica a diferença de crime e contravenção penal, pode ler aqui).
Foi na última terça-feira, 31 de março, que o Presidente da República sancionou a lei aprovada pelo congresso que criminaliza o Stalker, adicionando a conduta ao Código penal e revogando o Art. 65 da Lei de contravenções.
O novo Artigo
O novo artigo, 147-A, adicionado pela lei, diz que é crime “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, e que essa conduta é apenável com reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
Observe que o tipo penal foi criado para penalizar aqueles casos em que o Stalking é realmente prejudicial, não para impedir os curiosos de acessarem o seu perfil nas redes. O projeto foi idealizado para coibir e penalizar os que invadem a vida privada de outras pessoas e que possivelmente causem ou sejam ameaça de algum tipo de dano ou perturbação.
Nesse sentido, o legislador deixou claro que o crime é um crime habitual, que se consuma com uma prática reiterada, quando alguém passa, em mais de uma ocasião, a vigiar, perseguir por qualquer meio, alguém, colocando os verbos centrais do tipo sendo: perseguir, ameaçar, restringir, invadir e perturbar.
Mundo virtual e mundo real
Com a maior difusão e presença na vida das pessoas, as redes sociais passaram a ter um papel importante para os Stalkers. Antes, a prática exigia um pouco mais de empenho e dedicação, mas a constante exposição das nossas vidas nas redes criou um ambiente favorável para os Stalkers.
Se por um lado é possível acabar com o mal pela raiz, bloqueando o Stalker e impedindo-o de ter qualquer tipo de contato digital com a vítima no mínimo sinal de incomodo, por outro, a perseguição digital pode evoluir rapidamente para o mundo Físico, em que o Stalker passa a imitar os passos da vítima com o intuito de perseguí-la e monitorá-la.
Perceber isso é importante pois a lei deixa claro que o Stalking pode ser por qualquer meio, independentemente de ser digital ou não.
Um intercâmbio da ideias
Uma outra questão interessante é que o artigo fala em integridade física e psicológica.
Notoriamente, o crime tutela (protege) a liberdade individual, protegendo a figura da pessoa. Enquanto que a ideia de integridade física é bem clara para a população no geral, principalmente para o meio jurídico, a integridade psicológica não.
Às vezes, para nós leigos, pode ser complicado delimitar uma linha que mostre quando a questão psicológica se torna presente na agressão praticada. Foi pensando nesse tipo de agressão que a lei Maria da Penha definiu o conceito de violência psicológica.
A lei Lei nº 11.340 de 2006, Lei Maria da Penha, em seu Art. 7° inciso II, nos conta que “a violência psicológica é entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.”
De fato, o inciso está no contexto de uma lei que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Mas nada no Direito nos impede de pegar conceitos de uma lei para serem aplicados em outra (desde que sejam coerentes, claro), pois o Direito é um só.
Aumentos de Pena
No mundo penal, temos a figura do aumento de pena, em casos em que o legislador prevê uma gravidade maior para o crime cometido a depender da maneira, contra quem, os motivos…
Nesse caso, o legislador criou as hipóteses de aumento de pena na metade se for cometido contra criança, adolescente ou idoso e também contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do CP. Além disso, também aumenta na metade se for cometido em concurso de 2 ou mais pessoas (dupla ou grupo de pessoas) ou com uso de arma.
Considerações
O Stalking é uma pratica de perseguição e constrangimento de uma pessoa, na maioria das vezes cometido contra mulheres, por seus ex-companheiros, ou por pretendentes que não aceitam um não, ou por famosos com fãs obcecados, que rastreiam cada passo do seu ídolo. Pensar no Stalking é pensar em diversas formas de perseguição que alguém pode sofrer.
Por hora, a conduta está tipificada, mas ainda será necessário tempo para os doutrinadores e jurisprudência delimitarem como a aplicação do crime acontecerá na prática. Por exemplo, seria elementar do crime que a vítima manifestasse uma negativa às investidas e perseguição do agente para que se configure o crime?
O crime também fala de pratica reiterada, deixando claro que se trata de crime habitual, que o ato praticado deve ser repetido para que o crime se consume, a partir de que momento isso acontece?
Essas são questões que ainda terão que ser respondidas, mas que por ora nos bastam para começar a compreender o novo tipo penal.
Every Breath you take
Por fim, deixo uma recomendação cultural. A prática do stalking já é tão presente na nossa cultura que já se expressou até mesmo através da música. A canção do The Police, chamada Every Breath You Take, fala sobre obsessão e ciúmes, conta de um observador que avisa: a cada passo que sua amada der ele estará lá.
Every breath you take
Every move you make
Every bond you break
Every step you take
I’ll be watching you
Cada suspiro que você der
Cada movimento que você fizer
Cada laço que você quebrar
Cada passo que você der
Eu estarei te observando
Referências e Bibliografia
Luiz Fernando Pereira Advocacia. Breves comentários sobre o Crime de Stalking (art. 147-A do Código Penal, inserido pela lei n.14.132/2021). [S. l.], 2 abr. 2021. Disponível em: https://drluizfernandopereira.jusbrasil.com.br/artigos/1188318241/breves-comentarios-sobre-o-crime-de-stalking-art-147-a-do-codigo-penal-inserido-pela-lei-n14132-2021. Acesso em: 2 abr. 2021.
TELAVITA. In: Stalker: saiba o que significa “stalkear”. [S. l.]. Disponível em: https://www.telavita.com.br/blog/stalker-stalkear/. Acesso em: 2 abr. 2021.
Lei n° 14.132, de 31 de março de 2021 – 147-A