Se você já foi ao mercado, assinou um serviço de streaming on-line, vendeu um carro ou trocou figurinhas do álbum da copa, você já realizou algo chamado de Negócio Jurídico. Esse é o nome que damos no direito para todas essas compras, vendas, trocas, empréstimos, que fazemos ao longo da vida.
Na verdade, sendo um pouco mais preciso, o negócio jurídico é toda aquela composição de interesses ao redor de uma vontade lícita. Flávio Tartuce resume simplesmente como negócio jurídico aquele “Ato jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma finalidade específica”.
Claro, no dia a dia nós não pensamos em nada disso, apenas fechamos negócio. Acontece que o negócio jurídico tem ao menos três etapas para sua conclusão, que podem ser fundamentais para a existência ou não do negócio. Em uma simplificação didática, chamamos essas etapas de Escada Ponteana.
Escada Ponteana
A Escada Ponteana é uma definição pedagógica e acadêmica para compreender a composição estrutural do negócio jurídico (a partir daqui, abreviado como “NJ”). Essa estrutura de explicação foi pensada por Pontes Miranda, um dos maiores doutrinadores¹ brasileiros.
Nessa concepção, o NJ tem têm três fases, ou três planos, que são o da existência, validade e eficácia.
Existência
Antes de mais nada o fato jurídico precisa existir, pois sem existir não há como ser válido ou eficaz, e isso é fácil de perceber. Quando for existente, partimos para a análise da validade e posteriormente da sua eficácia.
Um breve adendo é que isso nem sempre vai seguir essa ordem, é possível que um fato jurídico seja eficaz sem ser válido, ou que seja válido sem ser eficaz, mas sobre isso falaremos em breve.
Então, para que o NJ exista, são necessários quarto requisitos, sendo eles: ter entre si partes (ou agentes), existir vontade, possuir um objeto e ter uma forma. Não havendo algum desses elementos, o negócio jurídico será inexistente.
E com isso, é importante dizer, que o Código Civil brasileiro não faz essa formalização, as questões pertinentes a existência não se encontram reguladas por ele da forma que Pontes Miranda colocou. Essa parte da existência é tratada diretamente junto com o plano da validade, que passo a explicar a seguir.
Validade
Com a validade, os requisitos da existência passam a ter uma característica, um adjetivo que os qualifique: os agentes/partes precisam ser capazes, a vontade precisa ser livre e sem vícios, o objeto deve ser lícito, possível e determinado/determinável e a forma deve ser prevista em lei ou ao menos não ser vedada. Podemos encontrar essa previsão no art. 104 do Código Civil.
Se o negócio jurídico não se enquadrar nesses critérios ele será, em regra, nulo de pleno direito (nulo por absoluto/nulidade). Em alguma exceções ele também poderá ser anulável (ou aquela nulidade relativa)
OBS: é interessante notar que deixarei para abordar as consequências e repercussões da não observância desses requisitos em outra oportunidade, para que este texto seja mais objetivo e menos cansativo.
Dessa forma, o NJ pode ser válido ou inválido. Se for válido, está tudo certo e podemos seguir para o plano da eficácia. Mas, se o NJ for inválido, ele poderá ser nulo (art. 166 e 167 Cód. Civil), não valendo de nada, ou anulável (art. 171 Cód. Civil), aquele que até vale, mas pode vir a não valer.
Para não deixar no ar, dou exemplos:
- Negócio jurídico válido é um casamento, celebrado entra duas pessoas capazes, maiores de 18 anos, manifestando sua vontade e dentro dos requisitos legais da sua forma para a celebração do matrimônio.
- Negócio jurídico nulo é, por exemplo, um contrato de prestação de serviços realizado com uma criança menor de 16 anos (absolutamente incapaz) figurando como parte.
- Negócio Jurídico anulável é um contrato de compra e venda realizado mediante coação moral. A princípio, nesse caso, uma das partes foi coagida a firmar o contrato, mas só será anulado se uma das partes pleitear pela anulabilidade, não podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz.
Está nas entrelinhas, mas nós podemos deixar claro em uma regra simples: o negócio jurídico nulo corresponde às questões de ordem pública (objeto ilícito, negócio celebrado por absolutamente incapaz, desrespeito à forma prevista em lei, por exemplo), já o negócio jurídico anulável corresponde às questões de ordem privada (celebrado por relativamente incapaz, quando houver vício de erro, dolo, coação, lesão, ou quando a própria lei preveja a anulabilidade, para citar alguns exemplos).
Eficácia
Por fim, chegamos no último degrau da escada, o da eficácia. Esse degrau cuida da efetividade e do cumprimento do negócio jurídico. São as consequências e efeitos, “os elementos relacionados com a suspensão e resolução de direitos e deveres das parte envolvidas”, segundo Flávio Tartuce.
São os elementos acidentais do NJ (o termo, condições e encargos), ou também as cláusulas penais (consequências do inadimplemento, multas, juros), o direito a resilição do negócio jurídico (extinção do contrato), etc. Segundo Maria Helena Diniz, também doutrinadora, são aqueles “que as partes podem adicionar em seus negócios para modificar uma ou algumas de suas consequências naturais.”
É nessa altura que definimos se o negócio jurídico produz efeitos imediatos ou quando irá produzi-los. Não são clausulas obrigatórias para a validade do negócio jurídico, mas a falta de alguma dessas poderá resultar em um NJ ineficaz que não produz os resultados pretendidos.
Imaginemos a seguinte situação: um torcedor do time X quer comprar um boné do time, e para isso vai até um vendedor próximo e faz a compra. Esse é um contrato de compra e venda simples, que não tem condições e produziu seus efeitos no exato momento que foi firmado, com o vendedor entregando o boné e o torcedor o dinheiro.
Agora, imagine que esse mesmo torcedor não esteja muito confiante com seu time e só queria comprar o boné se seu time sair vitorioso da partida. Ele aborda o vendedor e diz “eu quero o boné, mas só irei comprar após o resultado da partida”. Pronto, agora o torcedor acabou de adicionar uma cláusula de condição ao contrato de compra e venda, e o negócio jurídico só será completo após o resultado da condição.
Em ambos os casos o negócio jurídico é existente e válido, mas somente no primeiro ele é diretamente eficaz, ao contrário do segundo, que só será cumprido se o resultado for o esperado pelo torcedor.
Válido VS Eficaz.
Ok, agora que já entendemos um pouco da escada podemos perguntar: será que um Negócio Jurídico pode ser eficaz sem ser válido? Ou ser válido se ser eficaz?
A resposta é sim! Para não complicar as coisas, vamos pelo simples: um contrato de compra e venda de um produto ilegal. O cliente se aproxima do vendedor e faz a compra, o vendedor entregando-lhe o produto e o comprador entregando-lhe o dinheiro. Para todos os efeitos, a compra foi efetuada e eficaz, acontece que seu objeto ilícito impede que ela seja válida.
Para imaginar o contrário é mais fácil, um negócio jurídico válido mas ineficaz será aquele em que apesar de ter todos os requisitos, como agentes capazes, vontade livre e sem vícios, objeto lícito, possível e determinado/determinável e a forma legal, acaba que por algum motivo não produz em todo ou em partes os resultados pretendidos.
Com essa explicação, espero que a “Escada Ponteana” tenha ficado mais clara e acessível, mostrando como o conceito de negócio jurídico se aplica às diversas interações do dia a dia, desde as mais simples às mais complexas.
Bibliografia e Referências
Manual de Direito Civil: volúme único/ Flávio Tartuce. 9° ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.
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