No debate promovido pela TV Cultura na noite de ontem, 15 de setembro, Pablo Marçal, candidato pelo PRTB, protagonizou mais um daqueles shows lamentáveis que se tornaram marca registrada de sua campanha. Desferiu ataques pessoais contra José Luiz Datena, chamando-o de “arregão” e reavivando antigas acusações de assédio. Não demorou muito para o confronto verbal se transformar em físico, com Datena, fora de controle, respondendo com uma cadeirada digna de filme de quinta categoria. O resultado? Datena expulso, Marçal recebendo atendimento médico, e o público mais uma vez privado de uma discussão minimamente produtiva.
Este lamentável incidente é apenas a ponta do iceberg de uma crise política que vai além do espetáculo de ontem: a ausência de lideranças que realmente se importem com as pautas que dizem defender. Ao invés de se concentrarem em soluções para problemas reais, políticos como Marçal preferem provocar caos, se esquivando de responsabilidades concretas e apostando tudo na polarização como estratégia. E não é uma aposta pequena — é quase um “all-in” em um jogo perigoso, onde o prêmio é a destruição do debate público.
Há décadas, assistimos à degradação da política, que deixou de ser um espaço de confronto de ideias para se tornar uma arena onde vence quem grita mais alto — ou, no caso de ontem, quem joga cadeiras mais rápido. Se antes tínhamos debates históricos como o de Kennedy e Nixon, focados em propostas, hoje somos obrigados a ver um Datena e um Marçal protagonizando um show de horrores, onde propostas concretas são meros detalhes irrelevantes.
Marçal, com seu estilo inflamado, capitaliza sobre o caos, alimentando-se do descontentamento popular, mas sem jamais propor soluções. Seu jogo é claro: não se trata de representar pautas conservadoras e liberais com seriedade, mas de inflamar a base e deixar o circo pegar fogo. Do outro lado do espectro, temos André Janones, que usa as mesmas táticas sujas, inundando suas redes com narrativas distorcidas, fake news e uma retórica de ódio. Janones, mestre em criar um “nós contra eles”, transforma o ambiente político em uma guerra constante, onde o debate se afoga no oceano de polarização que ele mesmo constrói. Mas claro, por que buscar soluções quando você pode ganhar cliques?
Esse comportamento, de ambos os espectros, reflete a falência generalizada da política. Enquanto líderes autênticos, comprometidos e éticos não se apresentarem — e forem celebrados —, o palco continuará a ser dominado por aqueles que fazem do caos sua ferramenta. A política brasileira, ao que parece, está presa em um ciclo de autopromoção, onde o ego de candidatos como esses é a única coisa que realmente importa.
E aí está o problema: figuras como Datena, que poderiam oferecer um contraponto, não estão à altura do desafio. Sem preparo emocional ou político, Datena não conseguiu resistir às provocações, e ao invés de responder com serenidade, partiu para a violência. Nem se fale da tosca reação de Boulos ao ser confrontado com uma carteira de trabalho. Um belo exemplo de como não se deve liderar — ou sequer participar de um debate público. Quem perde com isso? Nós, os eleitores, que continuamos reféns desse show lamentável.
Enquanto isso, as redes sociais alimentam essa polarização, transformando a raiva e o medo em combustível para manter o engajamento nas alturas. Como mostra a ciência política, o medo é uma arma poderosa para controlar e mobilizar massas. E os candidatos sabem disso. Quando políticos como Marçal e Janones exploram essas emoções, eles não estão tentando construir um diálogo, estão apenas tentando maximizar sua visibilidade, mesmo que isso custe a fragmentação completa da sociedade.
Luc Ferry, filósofo e Ex-ministro da Educação Nacional e Juventude da França, em suas reflexões, descreve com precisão como regimes autoritários e líderes populistas usam o medo para manter o controle. No cenário atual, o medo é a moeda corrente: medo do outro lado, medo da mudança, medo de tudo que não se encaixa na narrativa polarizada construída por esses oportunistas.
E o pior de tudo? Essa estratégia funciona. Não é de hoje que estudos mostram como os algoritmos das redes sociais favorecem conteúdos que geram mais interações, e nada engaja mais do que ódio e polarização. Não há espaço para o diálogo, apenas para o conflito.
Os debates tornaram-se espetáculos cômicos, desprovidos de qualquer autoridade política capaz de provocar grandes reflexões no público que assiste. É quase um processo doloroso assistir candidatos completamente desprovidos de motivações concretas na política. O melhor que fazem é eleger “fantasmas” políticos para atacar e é isso. Nada mais.
A necessidade de lideranças reais, firmes e comprometidas se torna ainda mais urgente. Não basta ser carismático; é preciso ter compromisso com pautas reais, saber dialogar e buscar soluções concretas. A crise de liderança que vivemos hoje exige muito mais do que gritaria e espetáculo. Como apontam James MacGregor Burns e Bernard Bass, líderes de verdade transformam realidades e inspiram mudanças genuínas. E a única saída para essa bagunça é encontrar e apoiar essas lideranças.
Se quisermos sair do caos, precisamos exigir mais. Precisamos de líderes que saibam construir pontes em vez de jogar cadeiras. Talvez me chamem de idealista, mas escolhi crer que isso ainda é possível.
Referências
FERRY, Luc. Luc Ferry – Fronteiras do Pensamento. Disponível em: https://www.fronteiras.com/leia/exibir/luc-ferry-braskem-sp. Acesso em: 16 set. 2024
PENN STATE UNIVERSITY. Transformational Leadership Matters: Tying the Four I’s Together. PSU Extension, 2022. Disponível em: https://extension.psu.edu/transformational-leadership-matters-tying-the-four-is-together. Acesso em: 16 set. 2024.