Recentemente ouvimos que o Congresso Nacional instituiu uma CPMI das Fake News, nesta quinta-feira, dia 8 de abril, o Ministro Luis Roberto Barro determinou a instauração de CPI pelo Senado.
O que significa CPI, e por que é tão importante para o legislativo? Vamos responder aqui.
O que é uma CPI?
A abreviação CPI significa Comissão Parlamentar de Inquérito, é uma comissão temporária constituída pelo poder legislativo para apurar e investigar um fato certo e determinado.
Vale lembrar que o poder legislativo tem duas funções típicas, a de legislar e a de fiscalizar. As Comissões de Inquérito são uma forma de concretizar o poder fiscalizador que tem a atividade parlamentar.
Tem como objetivo apurar um fato certo e determinado, identificar se há uma infração penal ou administrativa e, caso positivo, remeter suas conclusões ao Ministério Público e demais órgãos competentes que julgarem necessários.
Tanto o Congresso Nacional, quanto Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais podem realizar CPIs.
Um Investigação
É sempre bom deixar bem evidente que esse tipo de comissão tem um papel investigativo, mas nunca um papel judicial. Uma comissão não condena e nem pode condenar ninguém por crime algum.
A previsão constitucional que estabelece a CPI, no art. 58, §3, diz que as comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, isso significa que através de uma CPI é possível fazer diligências, convocar Ministros de Estado tomar depoimento e inquirir testemunhas, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas.
Requisitos e Características
Quórum
Falando no âmbito Federal, para ser instaurada, um deputado ou senador precisa formular um pedido de instauração que conte com a assinatura de 1/3 dos membros da casa. Se for do Senado, o pedido precisa contar com ao menos 27 senadores, se for da Câmara, com 171 deputados. Se o inquérito for pelo Congresso Nacional, soma-se 27 senadores e 171 deputados para a formação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito).
Atingido o número de assinaturas, a constituição da comissão é obrigatória.
Uma característica das CPIs é a de garantia do direito de oposição. Com desejo, uma minoria pode investigar os atos de uma maioria parlamentar independentemente da vontade dessa maioria. Esse é um direito público subjetivo das minorias parlamentares.
Devem apurar fato determinado
As comissões também tem que delimitar o tema. Para sua instauração, precisam definir um fato determinado. Por exemplo, a CPMI dos Correios, ocorrida em 2005, e que se desdobrou no que hoje conhecemos como “Mensalão”, tinha como objeto “investigar as causas e conseqüências de denúncias de atos delituosos praticados por agentes públicos nos Correios – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.”
Assim, embora o fato a ser apurado deva ser certo e definido, não podendo ser muito genérico e abrangente, nada impede que a comissão, ao desvendar dos fatos, vá explorando e investigando situações e fatos correlatos e conexos com o principal. É como se uma CPI fosse uma nascente da qual nasceu um rio, que percorre um terreno, explorando-o e se desdobrando em vários braços investigativos, mas que sempre tem uma linha principal.
Relevância pública
Uma CPI só pode ser criada para apurar fatos de relevância pública. Não é possível, e nem faria sentido, apurar acontecimentos privados. Exemplo, não é legal que uma CPI seja instaurada para apurar a falência de uma empresa, mas pode ser instaurada para apurar contratos públicos dessa empresa com a administração pública.
Outro requisito para a CPI dentro dessa relevância material é o nível de competência. Uma CPMI, que envolve todo o Congresso Nacional, vai apurar assuntos envolvendo interesse público nacional, enquanto uma Assembleia terá sua CPI para apurar assuntos estaduais, uma câmara para apurar assuntos locais.
CPI tem prazo certo
Muito embora algumas investigações sejam complexas, não é possível que alguém ou algum fato seja investigado ad aeternum. Cada regimento interno vai estabelecer um prazo, sendo comum o de 120 dias, podendo ser renovado.
Há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que estabelece que não há problema na prorrogação da CPI, desde que esteja contida dentro da legislatura (mandato de 4 anos).
Assim, se uma CPI for aberta logo após a eleição dos deputados, ela poderá durar até 4 anos, quando se encerra o mandato.
Composição
A composição segue o regimento interno de cada casa legislativa. Dessa forma, a formulação do pedido deve conter a quantidade de parlamentares que farão parte da comissão.
Poderes da Comissão Parlamentar de Inquérito
As comissões de inquérito são a consolidação do braço fiscalizatório do legislativo. Para que essa atividade possa ser exercida de forma plena, são garantidos alguns poderes para garantir a fluidez das investigações.
Assim com já foi mencionado, CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, sempre observando a reserva de jurisdição.
Uma comissão Parlamentar de inquérito pode, sem necessidade de autorização judicial:
- Quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados telefônicos;
- Ouvir o próprio investigado;
- Ouvir testemunhas, inclusive coercitivamente
- Requisitar documentos de autoridades públicas (requisição impõe uma obrigação de responder);
- Requisitar a presença de Ministro de Estado (que não é convite, também é obrigatório);
- Realizar perícia e ouvir peritos;
- Prender em flagrante;
- Utilizar provas emprestas, desde que não prejudiquem eventual segredo de justiça;
- Entre outras medidas
.
Uma ponderação interessante é que uma testemunha não pode mentir ao prestar seu depoimento, sob pena de incorrer em crime falso testemunho. No entanto, se o depoimento for na condição de investigado, mentir em depoimento não incorre em falso testemunho, pois ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. No caso da testemunha, como o fato em si não se trata sobre a pessoa que testemunha, não há produção de provas contra si mesmo.
A prisão em flagrante, no entanto, também não é novidade, já que esse tipo de prisão pode ser feito por qualquer pessoa. Esse ponto é levantado pois uma CPI não pode prender ou usar outras medidas coercitivas e assecuratórias.
Mas, já que é possível qualquer pessoa realizar prisão em flagrante, um parlamentar que perceber, por exemplo, um crime de falso testemunho evidente, pode realizar a prisão em flagrante.
Por outro lado, uma CPI não pode, sem uma autorização judicial:
- Realizar busca e apreensão em domicílio. A casa é asilo inviolável;
- Não pode determinar prisão cautelar (que é diferente da flagrante);
- Não pode determinar indisponibilidade de bens, bem como outras medidas assecuratórias do Código de Processo Penal;
- Não pode reter passaporte;
- Não pode obrigar índio a deixar a sua terra para depor. No entanto, a CPI pode ir até o índio para que este testemunhe.
- Não pode desrespeitar o segredo de justiça, em especial quando se tratar do sigilo da delação premiada
.
Essas medidas não são vedadas, só requerem que passe pelo crivo judiciário para analisar a legalidade e pertinência das medidas requeridas. Por exemplo, os parlamentares podem determinar a quebra de sigilo sobre os dados telefônicos (para quem ligou, quando ligou, por quanto tempo falaram) mas não podem quebrar o sigilo sobre o conteúdo dessa ligação sem uma autorização judicial.
Essa prerrogativa, no entanto, também é limitada. A quebra desses sigilos só podem ser feitas pelas Assembleias e Congresso Nacional (Senado e Câmara), mas não por municípios, conforme vem estabelecendo a doutrina e jurisprudência.
Fundamentação
Qualquer requisição, solicitação/determinação, deve ser fundamentada. Isso é, não pode a CPI determinar a produção de uma perícia sem que seja justificada, apontando os indícios que a justifique.
Caso essa fundamentação não seja feita, ou seja muito mal feita, a prova decorrente pode ser anulada.
Relevante dizer, nenhuma dessas determinações é feita de forma pessoal, não é um único membro da comissão que irá determinar essas requisições. Elas são votadas e decididas por todos os membros, e são expedidas em nome da comissão.
O Relatório
Por fim, assim como um inquérito policial, uma Comissão de inquérito Parlamentar, ao seu fim, produz um documento denominado de Relatório.
Esse relatório irá contar os motivos da apuração, os métodos, qual foi o processo investigatório, as provas produzidas e quais foram as conclusões alcançadas. Esse relatório deve ser encaminhado ao Ministério Público, que irá apreciar o documento para averiguar se houveram infrações penais ou administrativas que ensejem uma Denúncia.
Se for o caso, o MP irá prosseguir iniciando uma ação penal. O relatório também pode ser enviado para qualquer outro órgão que os parlamentares considerem relevante, como a receita federal, autarquias e ministérios.
Determinação judicial?
Um ponto final importante de ser colocado: o poder judiciário não tem competência para determinar instauração de CPI. Mas isso, de fato, nunca aconteceu.
A decisão proferida pelo Ministro Luiz Roberto Barroso na última quinta-feira, na verdade, atendeu a uma liminar em mandado de segurança apresentado no mês passado pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, depois que já haviam sido colhidas as 27 assinaturas necessárias para a instauração da CPI no Senado.
A decisão foi no sentido corretivo da conduta da presidência do Senado, que ainda não havia instaurado a comissão, que é um direito das minorias parlamentares.
Essa situação já aconteceu outras vezes, citando a CPI dos Bingos, em 2005, que apurou o primeiro grande escândalo do governo Lula, e também a CPI da Petrobrás, em 2014, que apurou a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA.
Para ler também
Referências e Bibliografia
CÂMARA DOS DEPUTADOS. COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO – CPI. [S. l.], 2000. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito. Acesso em: 10 abr. 2021.
AGÊNCIA O GLOBO. CPI da Pandemia não é a primeira investigação aberta pelo STF. [S. l.], 9 abr. 2021. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2021-04-09/cpi-da-pandemia-nao-e-a-primeira-investigacao-aberta-pelo-stf–relembre-outras.html. Acesso em: 10 abr. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal e as Comissões Parlamentares de Inquérito. [S. l.], 1800. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/publicacaoTematica/verTema.asp?lei=1655#inicio. Acesso em: 10 abr. 2021.
Barroso determina instalação da CPI da calamidade pública da Covid no Senado. [S. l.], 8 abr. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-08/barroso-determina-instalacao-cpi-pandemia-senado. Acesso em: 10 abr. 2021.