Esses dias recebi a seguinte pergunta: posso ser demitido se for para um bloquinho de carnaval? A pergunta é pertinente já que recentemente 17 capitais cancelaram o carnaval de rua tendo como preocupação o aumento de casos da COVID-19.
A pergunta considera que ser flagrado em um bloquinho nessas condições não pega bem, já que em tese eles não deveriam estar acontecendo e, assim, abriria chance para ser demitido por justa causa por estar em um.
O que diz a legislação trabalhista?
Existem alguns tipos de rescisão do contrato de trabalho, entre elas está a justa causa causada pelo empregado, regulado pelo artigo 482 da CLT. Neste caso a demissão necessariamente terá como fundamento um dos incisos desse artigo, que é taxativo (ou seja, as hipóteses não são exemplos, mas sim as situações concretas). O ponto importante aqui é a diferença das consequências de uma demissão por justa causa ou não. Quando o empregado é demitido por justa causa, ele fica impedido de sacar o FGTS, recebendo apenas o período de férias vencidas e saldo remanescente do salário, diferentemente da rescisão sem justa causa, em que além do saldo e férias vencidas acrescidas em 1/3, tem direito ao décimo terceiro proporcional, multa de 40% sobre o FGTS e férias proporcionais.
Mas então quais são essas hipóteses? Algumas delas são o ato de improbidade; condenação criminal passada em julgado; desídia no desempenho das respectivas funções; violação de segredo da empresa; embriaguez habitual ou em serviço; abandono de emprego, entre outras. Ocorre que todas essas situações tratam da prestação de serviços do empregado ao empregador, ou seja, tem como referência o ambiente de trabalho e não a vida pessoal do funcionário.
Ainda que algumas das hipóteses previstas no artigo 482 versassem de alguma forma sobre ir para um bloquinho em momento de pandemia, o que não fazem, não poderíamos aplicar justa causa por ato cometido fora do trabalho.
Exceções
Mas é claro, nem tudo é preto no branco e existem algumas exceções. Uma delas é imaginar uma situação em que determinada pessoa seja o/a “garoto/a propaganda” da empresa, ou que vincule sua imagem diretamente à marca que presta serviço. Nesse caso, poderia argumentar-se que, devido a necessidade de discrição e respeito houve uma quebra contratual que justificasse a justa causa.
Uma outra possibilidade é quando o funcionário falta em serviço ou quando usa indevidamente de atestado médico. No primeiro caso o patrão pode argumentar desídia das funções desempenhadas e com isso aplicar a justa causa, mas há quem argumente que uma simples falta não seja suficiente para configurar a desídia, possibilitando a reversão da demissão por justa causa. No segundo caso, em que o empregado use testado médico para curtir a folia, há a possibilidade de demissão por justa causa. A situação inclusive já foi objeto de diversas ações trabalhistas recentes, como no caso decidido pelo TRT/RS.
Resumindo
Via de regra não há como o empregador justificar uma demissão por justa causa apenas considerando que o funcionário tenha ido ao bloquinho (fora do período de trabalho), existindo algumas exceções e observações.
Ainda assim, só porque não existem consequências trabalhistas necessárias não significa devamos abusar neste feriado. Poder não é dever, cuidem-se!
Bibliografia e Referências
JORGE NETO, Francisco Ferreira. Direito do trabalho. 9ª. ed. rev. atual. e aum. [S. l.: s. n.], 2019
CONEXÃO TRABALHO. TRT/RS confirma justa causa de trabalhadora que foi em festa durante o período do atestado médico. [S. l.], 9 ago. 2021. Disponível em: https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/noticias/detalhe/trabalhista/-geral/trtrs-confirma-justa-causa-de-trabalhadora-que-foi-em-festa-durante-o-periodo-do-atestado-medico/. Acesso em: 21 fev. 2022.
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