Neste início de fevereiro o país todo assistiu a eleição dos novos presidentes das casas legislativas. Rodrigo Pacheco, eleito presidente do Senado federal e Arthur Lira, eleito presidente da Câmara dos Deputados. A disputa foi permeada de controvérsias e o judiciário teve que intervir. O acontecimento não é nada novo, mas animou os noticiários pois há anos não tínhamos uma disputa nesse nível para o cargo. E assim eu te pergunto, você entendeu como tudo isso funciona?
A composição
Antes de explicar o rito que leva a eleição para presidente das casas, precisamos saber o que são os presidentes e o que fazem.
O mais importante: tanto o presidente do Senado e da Câmara dos Deputados estão na linha sucessória da presidência. Os artigos 79 e 80 da constituição federal explicam qual é a ordem da linha sucessória. Quando o Presidente morre, renuncia ou é removido do cargo quem sucede é o vice, mas caso o vice. Caso ele também saia de cena, aí temos o presidente da Câmara, presidente do Senado, e presidente do STF.
Curiosidade: caso o cargo de presidente fique vago antes da conclusão do segundo ano de mandato (quando nem o presidente nem o vice podem assumir), a linha sucessória segue, mas em um prazo de 90 dias deve organizar uma nova eleição geral. Se o fato ocorrer após o fim do segundo ano, também deverá ocorrer uma eleição, mas ela será indireta.
Os presidentes
O Legislativo na esfera federal é bicameral, isso significa que ele é formado por dois “corpos” que compõem um só poder legislativo. Temos o Senado Federal, que representa os Estados Membros (Bahia; Rio de Janeiro; Paraná, etc), e a Câmara dos Deputados (CD), que são os representantes do povo.
Para que seja uma coisa organizada, juntos formam o Congresso Nacional (CN).
Já que o Presidente da CD é o primeiro entre os parlamentares na linha sucessória, por uma questão de equilíbrio o Presidente do CN é também o Presidente do Senado, que preside as sessões conjuntas entre as duas casas.
Quem manda
Ok. Se você nunca ouviu falar nesses cargos, talvez você esteja se perguntando: Mas qual é a importância de ser o presidente da Câmara ou o Congresso? Os deputados não podem só votar as leis e pronto? Precisa mesmo um presidente para cada casa?
A resposta não é simples. O congresso nacional tem 513 deputados, o Senado tem mais 81 (senadores). Juntos somam 594 parlamentares. É impossível que só pela boa vontade e organização coletiva os parlamentares conseguissem votar qualquer projeto de lei. Precisamos de alguém que organize tudo isso, e que o faça de acordo com regras preestabelecidas, assim todos já ficam sabendo como o jogo lá dentro funciona.
Quem manda nesse caso são os presidentes de cada casa. E eles fazem isso utilizando o Regimento Interno. Existem três regimentos: o do Senado, o da Câmara e o do Congresso Nacional. Basicamente, nesses três regimentos estão as regras dos ritos dentro das casas, são neles que está definido o que faz cada presidente e como será a eleição para o cargo. Reger os trâmites o funcionamento jurídico, o processo legislativo e a administração interna da Câmara dos Deputados.
O Rito de eleição
A votação para presidente das casas é muito semelhante. Na prática, o que muda é que no Senado Federal o voto é feito de maneira impressa, através de uma cédula e uma urna, enquanto que na Câmara essa votação é realizada eletronicamente, através de um reconhecimento biométrico. Fora isso, podemos citar as particularidades para as candidaturas, que podem ser feitas até a véspera da votação. Ambas são feitas através do voto secreto.
Na Câmara os candidatos tiveram até as 17h do dia da votação para se candidatar à presidência da casa, para votação que deve ocorreu às 19h do dia 1° de fevereiro. Caso nenhum candidato alcance 257 votos (maioria absoluta), acontece um segundo turno entre os dois mais votados.
No Senado, os candidatos podem tentar a vaga até o último minuto, quando o presidente questiona os parlamentares se alguém mais deseja concorrer. A votação começou por volta das 14h.
A Mesa
Após a eleição dos presidentes, é realizada a eleição da Mesa Diretora que acompanha o presidente. A mesa é formada por dois vice-presidentes e quatro secretários, além de mais quatro suplentes. A eleição para esses cargos no entanto, é algo mais formal do que realmente uma votação. Os cargos são distribuídos entre os partidos de acordo com proporcionalidade dentro da casa. Os partidos se organizam em bancadas, podendo unir forças para uma votação. Nessa eleição não há muita disputa, mas é importante que os partidos tenham participação na mesa para que possam influir nas pautas (chamadas Ordem do Dia) de votação.
A intervenção judicial
Já fazia um certo tempo que não dávamos tanta atenção para a eleição dos presidentes das casas. Nos últimos 4 anos o jogo já estava posto. Houve um arranjo atípico.
Na metade 2016 Eduardo Cunha renunciou seu cargo como presidente da CD, que teve que realizar nova eleição especial. O eleito para terminar o mandato de Cunha foi Rodrigo Maia. O detalhe importante é que tanto os presidentes como os integrantes das mesas no CN têm mandato de apenas 2 anos, vedada a reeleição. Porém, como Maia só preencheu a vaga para o terminar o mandato que era de Cunha, a Casa não entendeu que havia quebra do regimento, e Maia candidatou-se e ganhou a eleição para ser oficialmente Presidente da Câmara.
Ao fim de 2018, Maia já tinha 2 anos e 6 meses como presidente, mas conseguiu se reeleger Deputado Federal e tentou a reeleição. Dessa vez a análise era outra: Maia não poderia ser candidato novamente caso a sua eleição fosse dentro de um mesmo mandato de parlamentar, mas como ele havia sido reeleito a contagem tinha sido zerada. Assim, Maia poderia ser candidato mais uma vez e disputar o cargo.
Ao todo, passaram-se 4 anos e 6 meses sem que houvesse grandes expectativas sobre quem seria o presidente da casa e qual seria a pauta que ele seguiria. Mas isso mudou esse ano (2021), com diversos pedidos de impeachment e outra centena de propostas legislativas ainda esperando para serem pautadas, os candidatos Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (ex-presidente do Senado) aguardavam a decisão do Supremo Tribunal Federal para decidir se ambos poderiam tentar a reeleição.
O STF decidiu que em ambos os casos não haveria possibilidade de reeleição, o que era o esperado (e desejado por juristas). O jogo que antes era certo ficou misterioso e cheio das manobras políticas em busca de apoio para as candidaturas. Sabendo da quantidade de temas nas mesas do Congresso e do Senado, todo mundo parou para olhar a peça de puxa e estica do Congresso.
O ritmo da dança
A cada dois anos há uma mudança no tabuleiro político: eleições municipais, eleições para deputados, eleições alternadas para senadores, eleições dentro das Casas Legislativas, para a presidência da república, enfim. O movimento do tabuleiro é uma verdadeira dança, a escolha do par é conforme a música. Se é certo que as regras estão dadas, nem sempre sabemos como os dançarinos fazem uso delas, se é que o fazem. Ainda mais certo que isso é saber que se soubermos também como é que se dança fica muito mais fácil apreciar e criticar quando os políticos, digo, dançarinos, saem do compasso.
Referências: