Na noite de terça-feira,16, o Ministro Alexandre de Moraes, determinou a prisão em flagrante do Deputado Daniel Silveira (PSL). A decisão do ministro veio após a manifestação do Deputado a respeito da Corte e seus Ministros. Em vídeo, segundo Morais, Daniel atacou diretamente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, tendo também propagado a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5, inclusive.
A decisão monocrática, proferida em virtude do Inquérito das Fake News, foi referendada pela corte de forma unânime no dia seguinte. Em uma votação rápida, todos os 11 ministros votaram a favor da manutenção da prisão. Ao final da noite de sexta, a Câmara dos Deputados também votou pela manutenção da prisão.
Um resumo da Ópera
O caso tem muitas repercussões e envolve diversos agentes políticos e situações jurídicas, por isso, deixo no próximo parágrafo um resumo, em apertada síntese, de tudo o que acontece e o que se espera que ainda aconteça. Para os menos apressados, o restante do texto conta toda a casuística e suas peculiaridades.
Na noite de terça feira, o Ministro Alexandre de Morais determinou a prisão em flagrante do Deputado Daniel Silveira, pois segundo o Min., o deputado teria atacado a Ordem Democrática de Direito, em especial com o intuito de impedir o exercício da judicatura e a independência do Poder Judiciário. Nos dias seguintes, tanto o plenário do Supremo Tribunal Federal, a audiência de custódia e a Câmara dos Deputados referendaram a decisão. Em complemento, o Ministério Público também realizou denúncia perante o STF para que fosse instaurado processo criminal contra o Deputado, em decorrência de diversas condutas reiteradas atentatórias contra o Poder Judiciário e Ordem Democrática de Direito.
A prisão
Desde março de 2019 há um Inquérito chamado “Inquérito das Fakes News”, que foi instaurado pelo presidente do tribunal à época. O Inquérito guarda ressalvas sobre sua legitimidade mas para todos os efeitos ele ainda persiste e tem o Ministro Alexandre de Morais como relator.
Foi a partir deste inquérito que Morais se sustentou para proferir a decisão de prisão em flagrante (vou abordar esse aspecto quando falar da Constitucionalidade da prisão).
A base
O Ministro atenta para os pontos do vídeo em que Daniel Silveira teria não somente atacado diretamente os Ministros e a Corte, como também teria se expressado contra a Ordem Democrática de Direito, com o intuito de impedir o exercício da judicatura e notadamente o independência do Poder Judiciário.
Destaca a fala em que Daniel diz “o que acontece Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo… várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra”, e outra quando diz “Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze ? que não servem para porra nenhuma para esse país ? Não.. não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem.”
Incidência crimes contra a segurança nacional
Para o Ministro, no momento de publicação do vídeo, houve a consumação de infração permanente e consequentemente em flagrante delito contra a honra dos Membros da Corte e também contra a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/73), em especial dos artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26.
O Deputado teria praticado o ato de tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito, conforme Art. 17, de tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados, Art. 18, de fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social Art. 22, inciso I e de incitar: à subversão da ordem política ou social e à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis, presente no Art. 23, incisos I e II.
Também estaria incidindo no Art. 26 da mesma lei, que prevê caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Segundo Alexandre de Morais, o Deputado e autor das condutas reitera a prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial perante a corte, a pedido da PGR, por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito, através de estruturas e financiamentos destinados à mobilização e incitação da população à subversão da ordem política e social, bem como criando animosidades entre as Forças Armadas e as instituições.
O Referendo dos Ministros e a custódia
A prisão, que se deu de forma flagrante, foi determinada na noite de terça e cumprida na mesma noite. Via de regra, os mandados judiciais só podem ser cumpridos das 5h da manhã até as 21h da noite, especialmente quando a prisão ou a busca e apreensão é feita na casa do investigado/acusado.
Vale lembrar que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em condição de flagrante, que é o caso concreto. Por isso, o deputado pôde ser preso no período noturno.
A decisão de Morais precisava ser votada também em plenário, e assim foi feito. Já no dia seguinte pela tarde a pauta foi votada. Todos os demais votaram junto do relator e mantiveram a prisão em flagrante, sem que houvesse qualquer divergência ou crítica por parte dos ministros.
Nosso Código de Processo Penal em seu Art. 310 também prevê que nesses casos o preso tenha uma audiência de custódia no prazo de 24 horas (nesse caso, contados a partir da decisão em plenário), para que esta avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão. A audiência tem o objetivo de verificar as condições legais da prisão e a situação e integridade física do preso.
A audiência de custódia foi conduzida pelo juiz Airton Vieira, que atua como instrutor no gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Decidiu-se novamente pela manutenão da prisão, reconhecendo a votação em plenário a respeito das suas características legais, e que deve permanecer preso até eventual concessão de liberdade provisória ou substituição por medidas cautelares a serem determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes.
A votação da Câmara
Ao final da noite de Sexta, quem votou foi a Câmara dos Deputados. Isso acontece porque os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, de acordo com o Art. 53 da Constituição Federal, e que em seu parágrafo segundo diz que desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva (Senado ou Câmara).
Para essa votação, o Regimento Interno prevê que necessária a maioria absoluta dos seus membros para compor decisão favorável ou desfavorável. Ou seja, são necessários 257 votos para que os Deputados possam esvaziar a prisão determinada pelo Ministro.
A votação, no entanto, passou com folga. Foram 364 votos a favor do parecer da relatora pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), deputada Magda Mofatto (PL-GO), que defendeu a manutenção da prisão.
Foram 364 votos a favor da prisão e 130 contra. Uma margem de 107 votos a mais do que o necessário.
A legalidade da prisão
Existem dois aspectos centrais a serem analisados na prisão cautelar do Deputado, o primeiro é a já mencionada inviolabilidade do direito à opinião e o segundo aspecto a necessidade de flagrância em crime inafiançável.
Direito a opinião
Os parlamentares, e apenas enquanto parlamentares, gozam do direito à inviolabilidade do direito da opinião. Isso garante a eles a capacidade de serem críticos e de se expressarem politicamente, ainda que sejam manifestações grosseiras e até mesmo severas contra outros políticos. Contudo, essa inviolabilidade tem duas correntes de pensamento, a de que ela é ilimitada, podendo o Deputado ou Senador dizer o que bem entender, e a corrente que defende um limite à essa liberdade.
O caso concreto tem mostrado que os agentes políticos acreditam muito mais nesta última. A justificativa está na defesa do Estado Democrático de Direito, que não poderia sofrer com ofensivas que ameacem sua própria existência, consequentemente tolhendo a própria inviolabilidade do direito da opinião. É também, com base no conteúdo da própria Lei dos Crimes contra a Segurança Nacional, que se resguardaria essa defesa.
O Flagrante Inafiançável
Para que a prisão do deputado seja possível, são necessários dois requisitos, o delito em estado de flagrância e ser também inafiançável.
Não há uma posição única a respeito de crime flagrante praticado através das redes sociais e meios eletrônicos. O flagrante acontece quando o indivíduo é pego no momento exato do cometimento do crime. Mas como na internet isso não é tão claro, a questão fica confusa.
Em uma entrevista concedida à rádio Jovem Pan, o advogado criminalista Dr. Augusto D’Urso aponta bem ao dizer “[…] A charada que precisamos desmistificar para entender a decisão é: quando um indivíduo criminoso posta um vídeo na internet que se perpetua e continua no ar, o criminoso permanece em situação de flagrante? Não há respostas concretas para a questão. Há magistrados que entendem que a situação não configura prisão em flagrante porque o ato criminoso seria a postagem do vídeo. Outros magistrados acham que sim porque, por exemplo, se um indivíduo publica um vídeo que incita o suicídio, todas as vezes que alguém assisti-lo, pode ser induzido. Sendo assim, o ministro Alexandre de Moraes tem o direito de interpretar e decidir sua resposta”
Outros juristas se manifestaram da mesma forma, ao lembrarem que o crime pode ser caracterizado como crime permanente, em que se reitera a ação ou omissão, havendo constante renovação da ofensa, em um crime que se prolonga no tempo.
Quanto ao crime inafiançável, o artigo 5º da Constituição Federal nos dá cinco tipos de crimes que são tidos como inafiançáveis (crimes em que não há possibilidade de pagamento de valor para cumprimento em liberdade provisória ou enquanto perdurar a investigação), são eles:
- inciso XLII – racismo
- inciso XLIII prática de tortura
- inciso XLII) – tráfico de entorpecentes e drogas afins
- inciso XLIII – – crimes hediondos
- inciso XLIII – terrorismo
- inciso XLIV – ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o estado democrático. (que seria o caso do Deputado)
Outra possibilidade é de acordo com o Código de Processo Penal, no qual em seus Artigos 312 e 324, inciso IV, que nos dizem respectivamente que prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado e que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
Dessa forma, estão presentes os requisitos que conferem legalidade à prisão do Deputado. Assim, permanecerá a custódia cautelar do Dep. Daniel Silveira, por força da sua prisão em flagrante, que permanecerá assim até eventual concessão de liberdade provisória ou a sua substituição por medidas cautelares.
A denúncia pelo MP
O Ministério Público também se movimentou. A denúncia (nome da peça utilizada para dar inicio a um processo movido pelo MP) assinada pelo vice-procurador-geral enquadra a conduta do deputado configura os crimes do Art. 344 do CP que trata “de usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”, e dos já mencionados artigos 18 e 23 da Lei dos Crimes Contra a Segurança Nacional. (Lei nº 7.170/1983).
A peça observa que o denunciado adotou como estratégia deliberada desferir agressões verbais e graves ameaças aos ministros que irão apreciar o Inquérito das Fakes News, em uma séries de medidas nos canais que mantém, visando coagi-los pela intimidação.
A Denúncia foi apresenta ao STF, que ainda deve se manifestar pelo recebimento ou não da Denúncia.
O futuro do Deputado
O deputado está em uma zona cinzenta. Há, contra ele, ao menos dois inquéritos e uma denúncia. Agora, espera-se também que a Câmara abra um processo de cassação de seu mandato como deputado.
Os inquéritos ainda não têm prazo para serem finalizados, a denúncia ainda pode demorar a ser aceita (o que é o mais provável, em uma análise objetiva do caso), e em caso de aceita, quando será julgada.
Mais provável é que os partidos apresentem um requerimento de cassação ao Conselho de Ética da casa, que seguindo o Regimento Interno, aprove ou não o pedido. Se aprovado, a cassação deverá ser votada em plenário, devendo conquistar os mesmo 257 votos da manutenção da prisão.
Referências e Fontes
Deputado Daniel Silveira é preso em flagrante por ordem de Alexandre de Moraes
Por unanimidade, Plenário mantém prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ)
Câmara decide manter prisão do deputado Daniel Silveira Fonte: Agência Câmara de Notícias
Entenda os motivos que levaram à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira
É possível a decretação de prisão preventiva de parlamentar?