Vacinação: sou obrigado a tomar vacina?

Sou Obrigado a tomar vacina?
Sou Obrigado a tomar vacina?

Nos últimos meses você deve ter escutado sobre a obrigatoriedade de vacina contra o Covid-19. Aí surge a dúvida, o governo pode instituir uma vacinação obrigatória? Se eu não tomar, um médico pode vir me buscar em casa e me obrigar a tomar uma vacina?

Já adianto, isso é mito e você pode ficar tranquilo: ninguém vai te buscar em casa com uma seringa na mão querendo te vacinar na força. Mas isso não significa que a vacinação não seja obrigatória.

A seguir eu explico como isso funciona.

O Programa Nacional de Imunização

Começando pelo começo, preciso te explicar que o Brasil possui um Programa Nacional de Imunização. Esse programa foi instituído em 1975, através da lei N° 6.259, de 30 de outubro de 1975, e o colocou*¹ sobre responsabilidade do Ministério da Saúde a coordenação das ações relacionadas com o controle das doenças transmissíveis, que inclusive orienta a execução do programa de imunizações.

Ou seja, cabe ao Ministério da Saúde (MS) a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, programa esse que irá definir as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório (Art. 3° da lei de 75).

É o MS que diz qual será o calendário de vacinação através de suas portarias. Foi através de uma portaria de 2004 que ficou estabelecido o calendário de vacinas obrigatórias como a BCG, Tetravalente, Febre Amarela, por exemplo. É nela que a sua caderneta de vacinação está baseada.

Contudo, embora seja de responsabilidade do MS estabelecer o programa, a responsabilidade da execução é das Secretarias de Saúde dos estados, enquanto o MS coordena e apoia, técnica, material e financeiramente, a execução do programa, em âmbito nacional e regional.

Resumindo fica assim: o MS faz o plano e estipula o calendário de vacinação e diz quais são obrigatórias, então as Secretarias de Saúde Estaduais executam o plano (via de regra anualmente), fazendo isso com o apoio do MS. Se for necessário, o próprio MS pode assumir essa execução de forma supletiva, se, por algum motivo, o interesse nacional ou situações de emergência justificarem.

Quem aprova uma vacina?

Essa é a primeira vez que olhamos tão atentamente para um processo de desenvolvimento e aprovação de uma vacina. Como muitos de nós não estamos familiarizados com o processo, muitas dúvidas acabam surgindo.

Nenhuma vacina é desenvolvida por uma única pessoa, tão pouco por uma única instituição. Sua aprovação depende de diversos critérios rigorosos e muitas etapas de segurança.

No Brasil, a entidade sanitária responsável pela regulamentação da vacina é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária — Anvisa. É ela que deverá receber os estudos realizados pelas empresas/institutos que trabalham no desenvolvimento de uma vacina.

A Agência então solicita aos interessados uma série de documentos, dentre eles a autorização de funcionamento da empresa/instituto responsável, justificativa técnica para a regulamentação, bula, nomes e endereços sobre os fornecedores da matéria prima para a fabricação do imunizante e o mais importante: relatórios detalhados dos testes de segurança e de eficácia.

A partir daí a Anvisa começa a revisar a documentação enviada, enquanto que o interessado na regulamentação tem que realizar testes de estabilidade que irão informar sobre prazos de validade e condições de armazenamento e manipulação.

A partir dos documentos enviados, a agência irá decidir com base nos testes realizados se a vacina é de fato segura e produz os efeitos que deseja. Podendo aprovar, pedir mais informações ou negar o pedido.

O plano contra o Covid-19

Foi em acordo com o Programa Nacional de Imunização e em acordo com o Sistema Único de Saúde que o atual presidente Jair Bolsonaro promulgou a lei Nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Nela está disposto sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Covid-19 vírus.

Fica estabelecido que as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, algumas medidas para o enfrentamento do Covid-19, e entre elas a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas, conforme seu Art. 3°, inciso III, alínea “d”.

Dessa forma, assim que houver um plano de imunização contra o Covid, o MS estabelecerá através de uma nova portaria e de acordo com a vacina, se a vacinação será obrigatória, para quem será obrigatória, qual grupo social, qual faixa etária deverá ser imunizada.

Uma observação, é necessário notar que o “de acordo com a vacina” é importante. Pois muitos alegam que a vacinação não pode ser obrigatória com base em um artigo do Código Civil, mas isso não é verdade.

Vacinação obrigatória

A obrigação nesse caso, assim como o voto, está atrelada à ideia de sanção, e não punição. Ninguém será coagido ou será preso por não tomar vacina, mas certamente terá sanções na vida cotidiana. Por exemplo, é necessário comprovar estar em dia com a vacinação do programa para receber o salário-família, matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade, Alistamento Militar e até mesmo contratação trabalhista, conforme a portaria do Ministério da Saúde.

Isso tudo fora outras sanções que demais leis possam estipular. Como é estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.

O parágrafo 1º do artigo 14 prevê a obrigatoriedade da vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Caso seja descumprido, quem tiver a tutela ou guarda (ser o responsável legal pela criança/adolescente), está sujeito a multa de três a vinte salários de referência.

O Artigo 15° do Código Civil.

Mas e o Código Civil? Existe um argumento de que a vacinação não pode ser obrigatória pois no Código Civil há o Artigo 15° que veda a obrigatoriedade.

O Artigo 15 diz: ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Mas isso também é mito e não se aplica à vacinação obrigatória. A chave para entender o porquê é conhecer o processo de desenvolvimento e aprovação de uma vacina. Foi por isso que disse que “de acordo com a vacina” é importante. Quando Anvisa aprova um medicamento, especialmente uma vacina, ela estabelece uma série de critérios rigorosos para que ela possa ser usada.

O Art. 15 fala em tratamento médico que traga risco de vida. Muitas pessoas acreditam que vacinas possam ser perigosas justamente por desconhecerem o processo pelo qual uma vacina é submetida para ser aprovada e disponibilizada. Junte isso às Fake News que rolam por aí, como o de que vacinas causam autismo e pronto, um prato cheio para o medo e desconfiança.

Portanto podemos dizer: vacinas são obrigatórias, mas não no sentido literal da palavra, pois ninguém irá te forçar a tomá-las. Entretanto, quem não o fizer poderá ter sanções de maior ou menor gravidade. Por exemplo, os pais/responsáveis legais que deixarem de vacinar seus podem ter de arcar com multas e até mesmo perder a guarda da criança.

A obrigatoriedade é boa?

Outro ponto importante é notar que essa é uma análise sobre a obrigatoriedade e não sobre o quão justa é ou não essa obrigação.

Podemos discutir se o interesse coletivo é maior do que o direito de organização do núcleo familiar, à liberdade de escolha do indivíduo. Por exemplo, ainda está pendente de julgamento um Recurso Extraordinário com Agravo — (ARE) 1267879 — no Supremo Tribunal Federal (STF), que vai decidir se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.

Por enquanto, vamos aguardar para ver os desdobramentos dessa história.

*¹Observação: a lei de 75 não institui a competência para o MS, apenas reafirma, a competência é definida pela Lei N° 6.229, de 17 de julho de 1975, que foi posteriormente revogada e substituída pela Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, vigente até hoje.

Referências:

Lei 13.979/ 2020:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm

Ministério da saúde Portaria Nº 597, DE 08 DE ABRIL DE 2004:

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2004/prt0597_08_04_2004.html

Lei N° 6.259, DE 30 DE OUTUBRO DE 1975:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6259.htm#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20organiza%C3%A7%C3%A3o%20das,doen%C3%A7as%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.

O que a lei e a ciência afirmam sobre a vacinação obrigatória no Brasil:

https://www.aosfatos.org/noticias/o-que-lei-e-ciencia-afirmam-sobre-vacinacao-obrigatoria-no-brasil/

STF vai decidir se Estado pode obrigar pais a vacinarem os filhos:

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=451552&ori=1

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Lucas Machado

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. É membro da Comissão da Jovem Advocacia e da Advocacia Empreendedora e Inovação da OAB Jabaquara/SP e integrante como Qualify no IFL Jovem - SP. Fundador, Editor e Escritor do Blog Jus Talks, destinado ao Direito e atualidades correlatas. Jovem, dedica-se a diversas áreas de atuação, principalmente no contencioso cível, societário, consumidor e empresarial, oferecendo soluções jurídicas eficientes e alinhadas às atualidades.
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Nos últimos meses você deve ter escutado sobre a obrigatoriedade de vacina contra o Covid-19. Aí surge a dúvida, o governo pode instituir uma vacinação obrigatória? Se eu não tomar, um médico pode vir me buscar em casa e me obrigar a tomar uma vacina?

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